São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 1994
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Buraco negro

A transparência no uso dos recursos públicos, nunca é demais frisar, é o mínimo que se espera de um Estado democrático nas suas intervenções na área econômica. Neste sentido, vêm a propósito os dados levantados pela presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), Aspásia Camargo, a respeito da aplicação dos incentivos fiscais no país, conforme mostra reportagem ontem nesta Folha.
Chega mesmo a chocar o fato de a Receita prever uma renúncia fiscal (arrecadação da qual o governo abre mão) de R$ 4,7 bilhões, o que equivale a 9,19% da previsão de receitas de impostos para este ano (R$ 51,4 bilhões), ou mais de 50% do total de recursos previsto pelo Orçamento para o investimento público (R$ 9 bilhões) para 94.
O uso de subsídios, expediente em regra condenável, manifesta-se de forma particularmente daninha em um país com as características do Brasil. A malha burocrática e a interferência de critérios políticos típicos desse procedimento só contribuem para agravar o desperdício e o clientelismo. A irracionalidade na aplicação dos recursos, com o acúmulo progressivo de normas e regulamentos engessando privilégios, acaba como que saindo do controle dos governos. O dinheiro de todos, assim, transforma-se no dinheiro de ninguém.
Tão grande é o emanharado dos incentivos fiscais que alguns especialistas chegam a afirmar que é mesmo impossível saber qual o verdadeiro tamanho dos subsídios na economia brasileira. O que configura uma situação anos-luz distante da transparência acalentada pela sociedade –e da austeridade exigida pela conjuntura econômica.
O estudo da presidente do Ipea revela ainda mais uma distorção nos procedimentos comentados acima, pois a maior parte dos incentivos fiscais, investimentos e créditos oficiais acabam se concentrando no Sudeste, região mais rica do país –o que desautoriza qualquer argumentação que defenda essas práticas, como hoje se apresentam, como fator equalizador do desenvolvimento nacional.

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