São Paulo, sábado, 3 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A segunda inquietação

JÂNIO DE FREITAS

O diálogo entre o ministro Rubens Ricupero e o repórter Carlos Monforte prescinde de considerações sobre o seu teor: é tão direto, tão claro e tão escandalosamente comprometedor para ambos e para a mínima decência da eleição presidencial, que tudo o que se diga sobre o seu conteúdo ficará aquém do que ele lança sozinho sobre cada cidadão de bem.
O presidente Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, o ministro Ricupero vinham, todos, dando como acusações levianas as notícias e comentários sobre os ilegais usos do governo, por suas principais figuras, para conduzir o processo eleitoral. A leviandade agora está posta no lugar certo. E à vista de todos.
O procurador-geral da República, Aristides Junqueira, já havia representado à Justiça Eleitoral, para que procedesse ao exame dos fatos e documentos indicadores da associação eleitoreira entre o governo e Fernando Henrique. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Sepúlveda Pertence, já havia acionado o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Flaquer Scartezzini, para que interpelasse os ministros Alexis Stepanenko e Aluizio Alves, o que foi feito com presteza. Mas, com isso, e contrariamente ao que deveria ocorrer, nascia uma segunda inquietação nos que aspiram a alguma decência no processo eleitoral: o que esperar da Justiça?
A função das leis é sempre incerta no Brasil. Com frequência, depende de quem seria atingido por sua aplicação. Entre os juízes de primeira instância encontra-se mais apego às leis e mais desassombro para aplicá-las do que nos tribunais superiores, que deveriam ser a cabeça exemplar do sistema judiciário. Estão, talvez, na posição inversa. Ou, como há pouco reconhecia com franqueza incomum nos seus congêneres o procurador Aristides Junqueira, "os tribunais têm causado muitas frustrações". Para meio entendedor, essas palavras bastam.
A lei é tão clara quanto foi claro o diálogo entre o ministro Ricupero e Monforte. Mas isto será suficiente para que algum cidadão passe a discordar, agora, do recente artigo em que Clóvis Rossi desacreditava da existência de um tribunal capaz de impugnar Fernando Henrique?
Se fosse Lula da Silva, Enéas Carneiro, Leonel Brizola, Esperidião Amin, qualquer dos não escolhidos pelo "sistema" para ser o seu futuro protetor, as gavetas da legislação seriam abertas, embora com prováveis relutâncias. Não é o caso. E ao cidadão de bem restam a agressividade da evidência proporcionada por Ricupero e a aumentada inquietação: o que esperar dos altos tribunais da Justiça?

Texto Anterior: Viciado em pompa
Próximo Texto: Imprensa amarronzada
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.