São Paulo, sábado, 3 de setembro de 1994
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Ricupero sem censura

Esta Folha reproduz hoje afirmações informais do ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, captadas anteontem à noite apenas pelos que estivessem com suas parabólicas voltadas para a Rede Globo naquele momento. São frases que, lamentavelmente, explicam por que boa parte da opinião pública exibe enorme desconfiança em relação aos seus governantes. Certo de que estava em mero bate-papo que não iria ao ar, Ricupero cometeu uma verdadeira súmula de pecados capitais em um homem público.
Foi de um cinismo pertubardor ao afirmar: "Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde".
Foi preconceituoso, ao qualificar de "bandidos" os empresários brasileiros.
Confessou uma manobra diversionista com objetivos meramente propagandísticos, ao informar que lançara o balão de ensaio de uma eventual redução do preço da gasolina apenas para desviar as atenções do elevado IPC-r de agosto.
Mas o mais grave de todo o episódio foi a confissão de uso eleitoral do real. Primeiro, Ricupero assumiu o papel de "grande eleitor" de Fernando Henrique Cardoso. Depois, gabou-se da esperteza de estar violando as regras do jogo com a seguinte afirmação, reproduzida aqui literalmente, inclusive com suas incorreções: "Para a Rede Globo, foi um achado. Porque ela em vez de terem que dar apoio ostensivo a ele botam a mim no ar e ninguém pode dizer nada".
É um anseio da população a estabilidade da economia, meta do Plano Real que vem sendo alcançada, embora ainda com muitos percalços a serem superados. As pesquisas de opinião pública assim o indicam. O ministro não tem o direito de usar uma legítima expectativa da população para fins eleitoreiros.
A estabilidade é ou deveria ser patrimônio da sociedade, que não pode ser apropriado impunente por uma parcela dela, a que torce pela vitória de FHC, por mais legítima que seja essa torcida.
O país já se cansou do uso eleitoral de planos econômicos, até porque as experiências históricas anteriores terminaram em desastres que ainda estão na memória coletiva. Cansou-se também de ver a legislação eleitoral ser burlada.
Esta Folha criticou, inúmeras vezes, os excessos da lei eleitoral, mas se a lei existe é para ser cumprida por todos. O ministro Ricupero deixou muito clara não só a burla à lei, mas também a maneira supostamente esperta de fazê-lo.
Não pode passar sem reparo, igualmente, a posição da Rede Globo, que fica nítida ao longo de toda a conversa informal: coloca-se à inteira disposição do governo, assumindo um papel que nem à "Voz do Brasil" seria permitido.
Em um país maduro, essa situação provocaria um terremoto político. Resta ver se o Brasil pode ser enquadrado nessa definição.

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