São Paulo, sábado, 3 de setembro de 1994
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Aumento em dose dupla

EDMAR BACHA

O sucesso do Plano Real depende da perseverança no ajuste fiscal e da manutenção da austeridade monetária. Os acordos e dissídios coletivos são parte integrante do processo de livre negociação salarial e não têm por que ameaçar o plano.
Os dissídios de setembro devem apenas permitir aos trabalhadores com essa data-base recuperarem as perdas salariais decorrentes dos aumentos de preços ocorridos na virada da URV para o real e que se refletem nos valores do IPC-r de julho e agosto.
Como o aumento de preços já ocorreu, não há motivo para um novo repasse dos reajustes salariais para os preços. De outra forma, os empresários estariam ganhando duas vezes. Quando aumentaram os preços na passagem da URV para o real e quando repassassem para os preços os aumentos compensatórios de salários devidos na data-base.
Também é de se esperar que os sindicatos trabalhistas não pressionem por aumentos reais ou por conta de produtividade, acima dos limites legais dados pela variação do IPC-r.
Em primeiro lugar, porque a variação do IPC-r incorpora sete dias a mais de inflação do que seria rigorosamente devido, uma vez que a URV de 30 de junho computou preços até o dia 22 de junho, enquanto que o IPC-r de julho começou a computar preços a partir de 15 de junho.
Assim, o período de 15 a 22 de junho foi incluído duas vezes, na variação mensal da URV em junho e na variação do IPC-r de julho.
Em segundo lugar, porque a parada da inflação a partir de 15 de julho gerou um ganho real no poder de compra dos salários da ordem de 12%. Por essas duas razões, qualquer aumento salarial acima da variação do IPC-r seria exorbitante.
O governo está confiante em que os empresários e trabalhadores não terão esse comportamento abusivo, mesmo porque, caso ocorressem, esses aumentos de preços e salários não seriam validados pelo mercado.
Em primeiro lugar, porque estamos numa economia aberta, com concorrência efetiva de importações e uma política cambial ativa, que não mais repassa automaticamente para o câmbio o aumento dos preços internos.
Em segundo lugar porque, com o real, temos uma política monetária ativa, com limites rígidos de emissão de dinheiro. Não mais um regime de moeda remunerada, como antes do real, no qual a quantidade de moeda crescia automaticamente quando aumentavam os preços internos.
Esses mecanismos de contenção seriam desnecessários caso se abolisse integralmente a indexação, expandindo-se a livre negociação salarial num regime de pluralidade sindical e sem interferência do Judiciário.
A força do Plano Real deve-se em grande parte a seu caráter democrático, que o distingue dos fracassados planos de estabilização anteriores.
Será também através da negociação política que iremos progressivamente trilhar o caminho da desindexação iniciada em 1º de julho.

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