São Paulo, sábado, 3 de setembro de 1994
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Os limites do patriotismo

RUBENS PENHA CYSNE

O motivo é simples. O Banco Central continua com uma política monetária passiva, como tem ocorrido desde o início da década de 80.
Com este procedimento, como mostra o passado e mostrará também o futuro, se nada for feito para mudar este status quo, a taxa de inflação passa a se determinar fundamentalmente em função dos reajustes salariais. E evidentemente os próximos dissídios (2,5 milhões de trabalhadores até o final do ano) tomarão como patamar as negociações de setembro.
Nas atuais circunstâncias, em que os reajustes são anuais e se baseiam em livre negociação (ao contrário do que se tem falado, a lei 8.880 apenas garante a reposição do IPC-r no primeiro mês da primeira data-base de cada categoria), reajustes em todos os dissídios da ordem de 20% implicariam, na ausência de desvalorizações acentuadas do câmbio e outros acidentes de percurso, uma inflação anual da ordem de 40%, o que não seria um resultado ruim para o plano.
Ocorre que estes números não serão obtidos, devido a um único motivo: na ausência de um comprometimento público do Banco Central sobre as metas de emissão de M4 (total dos ativos financeiros em poder do público), ou pelo menos M2, um sindicalista que aceitar reajustes na faixa de 10% a 20% ficará em uma situação muito pouco defensável frente àqueles que o elegeram.
Como se pode aceitar apenas uma reposição da média salarial com o reajuste de 11,87% pelo IPC-r acumulado se os salários, a partir daí, ficarão fixos por um ano, sendo corroídos por uma possível inflação que é determinada pelo setor público e não está sob controle daqueles envolvidos na negociação?
As dissidências nas propostas de cada classe deixam clara a sequência de possíveis greves que teremos de enfrentar daqui para a frente. Petroleiros reivindicam 112,6%, enquanto a Petrobrás acena com 13,39%. Do outro lado, bancários demandam reajustes de 119% ao passo que a orientação do governo é de reposições da ordem de 12%.
Livre negociação salarial é uma meta que devemos perseguir com todas as forças. Mas com a nossa tradição inflacionária, elevada incerteza política atual, reformas de base ainda por fazer e falta de comprometimento e independência monetária, tal meta é de difícil consecução.
O Plano Real inverteu a ordem natural dos fatores, em que as reformas deveriam ter se antecipado à desindexação, e os altos custos disso começarão a aparecer daqui para a frente.
Metas de expansão da base monetária não resolvem o problema pelo fato de que o Banco Central, com a atual política monetária, confere aos títulos da dívida pública liquidez quase semelhante à dos meios de pagamento.
Por outro lado, metas de emissão de M4 a serem obtidas através de depósitos compulsórios não-remunerados teriam colocado o governo numa camisa-de-força bastante desagradável. Sacrifício do tipo que se espera agora dos sindicalistas patriotas.

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