São Paulo, sábado, 3 de setembro de 1994
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A hora do diálogo

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

Concebido para reduzir a zero elevadas taxas de inflação, o plano econômico revela a fragilidade de um recém-nascido, devendo ser assistido cuidadosamente para não morrer antes de completar o primeiro ano de vida.
Não direi que os dissídios de setembro ameacem seu surpreendente êxito. Mas advertiria que aumentos salariais, ajustados em convenções e acordos coletivos, ou instituídos por decisões judiciais, sob certas circunstâncias podem se transformar em fatores plenos de riscos, contribuindo para a multiplicação das chances de insucesso.
Para nós, brasileiros, os salários são inertes, não contendo potencial inflacionário. Assim nos ensinaram alguns eminentes economistas.
Ninguém ignora, entretanto, que salários participam sim da composição dos custos e possuem irrefreável tendência para se transferirem aos preços, sobretudo nos setores onde a concorrência é fraca ou inexistente.
Dirigindo-se aos preços, acarretam aumento automático do custo de vida, repercutindo instantaneamente na curva da inflação.
Examinando dissídios coletivos no Tribunal Superior do Trabalho, onde me encontro há seis anos, tive robustecida a convicção de que as negociações coletivas, em nosso país, não alcançaram nível apreciável de boa-fé, seriedade e eficiência.
Pelo contrário, em alarmante quantidade de casos observa-se completa ausência de predisposição para o diálogo, com as entidades sindicais exibindo constrangedora fraqueza e os empresários fazendo pouco das soluções negociadas, apelando de pronto para o poder normativo da Justiça do Trabalho.
Em outras ocasiões, e desde a época em que estava à frente do Ministério do Trabalho, constatei que hipotéticos litigantes eram, na realidade, cúmplices em manobras que, a pretexto de conferir reajustes salariais, no fundo procuravam imprimir aparência de legitimidade a abusivas e inoportunas elevações de preços administrados pelo governo.
É vital que neste momento, decisivo para a economia e para o futuro, patrões e empregados se componham diretamente, estimulados por legítimas preocupações como os seus interesses.
Não podem, entretanto, sob a alegação de defendê-los, continuar ignorando os consumidores, desprezando a busca de estabilidade econômica e contribuindo para o retorno da espiral inflacionária.
Se dirigentes sindicais e empresários deixarem de adotar os reajustes nominais repassados aos preços como exclusiva solução para suas dificuldades em matéria de salários, os dissídios de setembro, outubro, novembro serão assimilados naturalmente, não causando a sensação de haverem sido utilizados como instrumento de oposição ao plano econômico e, por via de consequência, aos mais relevantes interesses da população e das classes trabalhadoras.
Contudo, se aumentos de preços voltarem a ocorrer desordenadamente e com a velocidade observada no passado, o melhor remédio será, com certeza, maior abertura do mercado interno para produtos importados, embora isto possa acarretar nefastas consequências para o nosso anêmico mercado de trabalho.

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