São Paulo, segunda-feira, 5 de setembro de 1994
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'Sábado' é tragicomédia do caos social

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O filme que abre a Mostra Banco Nacional, "Sábado", é a prova cabal de que é possível fazer cinema com qualidade técnica e idéias originais; ou, em outros termos, de que cinema de autor não é sinônimo de filme chato ou mal feito.
Durante um sábado, uma equipe de publicidade dá um banho de cenografia no saguão de um antigo prédio do centro de São Paulo para filmar ali um comercial sofisticado, daqueles em que um galã encapotado troca olhares sedutores com uma perfumada deusa de olhos azuis e cabelos dourados.
Só que, para rodar os 15 segundos do comercial, os yuppies da equipe têm de enfrentar durante horas a barbárie que cerca o belo cenário.
Prostitutas, bêbados, traficantes, pregadores evangélicos, mendigos –a escória humana acumulada em séculos de exclusão e miséria– ameaçam a todo instante invadir o quadro e transformar em pesadelo aquele sonho de Primeiro Mundo concentrado que é a fantasia publicitária.
O diretor Ugo Giorgetti –ele mesmo um tarimbado diretor de comerciais– já havia demonstrado seu talento para a condução de uma comédia dramática num espaço fechado com o premiado "Festa", seu filme anterior.
Mas, se o drama de "Festa" se concentrava em três personagens, em "Sábado" não há protagonistas. Da diretora de elenco do comercial (Giulia Gam) ao decano dos moradores do prédio (Renato Consorte), passando pelo alcoolizado zelador (Wandi), há pelo menos uma dezena de personagens com o mesmo peso e importância.
A habilidade de Giorgetti consiste justamente em, mantendo a unidade de tempo e espaço (um único dia, um único prédio), costurar uma série de pequenas anedotas e incidentes envolvendo essa rica fauna urbana.
Um acontecimento une todos os outros: o do elevador que enguiça entre dois andares, mantendo presa a diretora de arte do comercial (Maria Padilha) na companhia nada agradável de um cadáver (Gianni Ratto), de um visitante casual (André Abujamra) e de dois funcionários do IML (Otavio Augusto e Tom Zé). Enquanto isso, um morador ornitólogo (Décio Pignatari) sobe à "casa das máquinas" e pede a ajuda de um eletricista doido que vive lá (Jô Soares).
Com acontecimentos assim banais, a um tempo cômicos e trágicos, Giorgetti compõe um retrato multifacetado e amargo dos desencontros, da loucura e do caos da sociedade brasileira de hoje.

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