São Paulo, segunda-feira, 5 de setembro de 1994
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Consumo pode resistir a aperto do crédito

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Cinco executivos de diferentes bancos ouvidos pela Folha concordam com a avaliação de que as medidas adotadas pelo Banco Central, de aumentar o compulsório dos CDBs e da poupança, não conseguirão surtir o principal efeito desejado: conter o consumo.
Durante um almoço em São Paulo, um ex-diretor do Banco Central chegou a comentar que segurar o consumo via limitações ao crediário seria como tentar segurar água. Ele finalizou afirmando que, depois do cheque pré-datado, não havia o que fazer.
As medidas adotadas pelo Banco Central vão reduzir os prazos dos crediários –sem que o governo tivesse que fazê-lo diretamente, o que seria considerado impopular. É que o risco aumentou.
As financeiras estavam captando recursos por 30 dias (ou até no interbancário de um dia) e emprestando em até dez prestações. Só que, com o aumento do compulsório, as taxas de juros para captar recursos também vão subir.
Com a esperada redução dos prazos, analisam os executivos, o aquecimento do consumo vai se manter: com cheque pré-datado e com o uso do cartão de crédito.
Eles avaliam que as medidas adotadas vão ter um efeito gradual: seu impacto definitivo sobre o mercado, por exemplo, só será sentido depois do primeiro turno das eleições.
Juro privado
Mas já na sexta-feira o "spread" cresceu generalizadamente. Ou seja, aumentou a diferença entre os juros pagos ao investidor e os cobrados nos empréstimos.
O novo desenho da formação para o juro do setor privado é o seguinte: 1) na ponta do crédito, a demanda, ainda aquecida, deve empurrar as taxas para cima; 2) quando os recursos para os empréstimos começarem a se esgotar, os bancos serão obrigados a pagar juros crescentes também para o aplicador.
O ciclo de alta das taxas só se rompe se a demanda por crédito minguar. Mas nenhum dos cinco executivos soube dizer quando isto acontecerá e nem medir qual é, afinal, o tamanho dos juros exigido para promover o equilíbrio entre oferta e demanda por dinheiro.
Enquanto isto, o juro pago pelo governo para financiar os títulos da dívida interna permanece com sua trajetória de queda.
As medidas adotadas, anunciadas pelo presidente do Banco Central, Pedro Malan, devem retirar dos bancos aproximadamente R$ 20 bilhões.
Era dinheiro que seria usado para financiar o setor privado (consumo e reposição de estoques) e, agora, passa compulsoriamente a financiar o Tesouro Nacional.
Elas, na realidade, inauguram um novo estilo de gestão da liquidez do sistema financeiro.
O governo está optando por mecanismos ortodoxos e compulsórios e, aos poucos, deixando de utilizar o juro pago diariamente no Selic (títulos públicos) para controlar a liquidez.
Em suma: as medidas vão empurrar as taxas de juros para cima, mas sem onerar o Tesouro Nacional, que continua sem dinheiro e sem o ajuste definitivo de suas contas.
Problemas agravados
O caminho escolhido pelo Banco Central (BC), porém, agrava os problemas que emergiram já na implantação do Plano Real. O principal deles é o empoçamento da liquidez.
Por exemplo, os bancos mantinham um estoque de títulos públicos para negociar, entre si, recursos por um dia. Este estoque vai deixar de servir para irrigar o sistema financeiro –vai servir para cumprir as metas de recolhimento compulsório.
No CDI (interbancário), o crédito (e seu custo) vai obedecer uma regra de risco ainda mais rígida do que a atual.
Hoje, os bancos estaduais, por exemplo, já pagam um diferencial de taxas que pode chegar a um ponto percentual sobre os bancos de primeira linha.
Como o crédito ficará mais seletivo e foi uma medida do BC que gerou este movimento, os problemas de liquidez localizados vão acabar morrendo nos braços da própria autoridade monetária.
As linhas criadas pelo BC para empréstimos de liquidez vão começar a ser mais acessadas. Além do que, deve crescer a demanda para que nova parcela dos títulos estaduais seja trocada, pelo BC, por títulos federais.

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