São Paulo, quinta-feira, 8 de setembro de 1994
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Para ir ao cinema

CARLA RODRIGUES
Rio de Janeiro, sexta-feira, 2 de setembro, 21h. Começa a Mostra Banco Nacional de Cinema. São mais de 200 filmes, em 12 salas espalhadas pela cidade. Escolho um. Qualquer um. Todos parecem ser bons. Telefono, convido uma amiga. "Botafogo? Mas é onde mais roubam carros na cidade."
O argumento dela é verdadeiro, indicam todas as estatísticas da violência na cidade. Sou forçada a recuar. Mudo de filme, de cinema e de horário. Ainda assim, ela recusa. Copacabana, sessão das dez, acaba tarde. Eu desisto dela, mas não do filme –uma comédia sobre uma mulher jornalista cheia de dilemas (espelho, espelho meu).
Disposta a me divertir, pego o carro. Ninguém pára nos sinais, nem eu. Já é hábito. O código funciona assim: se o sinal está vermelho, meia freada para ver se dá para passar; se o sinal está verde, meia freada para ver se não vem alguém avançando do lado de lá.
Chego rápido, mais cedo do que o necessário. Um flanelinha me toma dois reais, sob ameaça. Compro o ingresso, passo o tempo pela calçada. Um homem aborda grosseiramente duas mulheres que estão ao meu lado. Fico, mais uma vez, com medo. Entro no cinema.
O filme é bom, divertido. As mulheres jornalistas que estão na tela têm inúmeros problemas. Alguns até se parecem com os meus. Mas nenhuma delas tem medo de não encontrar o carro na saída do cinema ou de ser agredida pelo guardador, ou de parar no sinal de trânsito na volta para casa.
Amanhã e por mais 15 dias tem mais filme. O de meia-noite é ótimo, mas é em Botafogo e acaba tarde. O das cinco também é bom, mas é no shopping mais concorrido da cidade e não vai ter ingresso. Nem vaga para estacionar, embora seja seguro.
Domingo, tem um "cult" do Godard fantástico. Mas é no centro da cidade, melhor não. Segunda tem sessão às 19h30, aqui perto de casa. Muito trânsito, impossível sair do trabalho e chegar a tempo.
O filme acaba. Final feliz. A mulher jornalista decide continuar casada com seu nem tão adorável terceiro marido. Pego o carro, aliviada por não ter sido roubada, dou apenas R$ 1,5 ao guardador porque não tenho mais e saio correndo com medo dele reagir.
Direto para casa. É tarde. Circundo a Lagoa em alta velocidade. O Rio de Janeiro é uma cidade maravilhosa. E tem mais de 200 filmes em cartaz.
CARLA RODRIGUES, 32, jornalista, é assessora de imprensa do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida. É co-autora, com o sociólogo Herbert de Souza, do livro "Ética e Cidadania" (Editora Moderna, 1994).

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