São Paulo, quinta-feira, 8 de setembro de 1994
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Tatuí

, oui!

CARLOS SARLI

O esporte no Brasil vive do esforço individual. Com raríssimas exceções, os resultados expressivos jamais são fruto de apoio de empresas ou de universidades.
A história se repete. O garoto que larga tudo, briga com a mãe e passa sua infância e adolescência ralando algum esporte. Quase sempre, ao seu lado, um atleta veterano, fazendo as vezes de técnico, psicólogo e empresário.
Os nossos Romários ainda surgem na base do sangue, suor e lágrimas. Enquanto isso funcionar teremos sempre um brasileirinho se enfiando nos pódios por aí.
Nas últimas semanas o filme passou de novo nas praias francesas. Para alegria de quem pensa a curto prazo, e para tristeza de quem sabe que, enquanto não houver investimentos sérios na cultura e no esporte estaremos condenados a pequenas alegrias esporádicas.
Na semana passada você leu aqui a história do catarinense Teco Padaratz, que ganhou a sexta etapa do Mundial em Hossegor.
Esta semana foi a vez de um garoto que vivia nas areias de Niterói e acabou ganhando, por isso, o apelido dos bichinhos da areia: Ricardo Tatuí.
Teve seu enorme potencial identificado por um dos surfistas que mais sofreu com a falta de apoio nos anos 70 e 80.
Ricardo Bocão chegando aos 40 anos de idade, pelo menos nos últimos cinco anos carregou uma pastinha preta recheada de recortes mostrando os resultados de Tatuí a potenciais patrocinadores.
Havia espaço até mesmo para as páginas de revistas adolescentes que insistiam em valorizar seu lado "gatinho".
Mesmo com o esforço de Bocão, seu enorme potencial e dez horas diárias dedicadas ao esporte, Tatuí passou boa parte desse ano sem patrocinador.
Todo esse filme certamente passou por sua cabeça quando a bandeira do Brasil subiu ao pódio na Grand Plage, a praia mais famosa e aristocrática de Biarritz.
Enquanto Tatuí vencia o Quiksilver Surfmasters, a sétima etapa do Mundial, e cravava seu nome na história do esporte, um garoto com o rosto cheio de Hipoglós, deitado na areia, observava as manobras dos surfistas mais experientes em alguma praia do nosso litoral.
Pelas propostas dos candidatos às próximas eleições nosso esporte (talvez a forma de expressão mais brilhante de uma cultura) vai continuar vivendo desses Sennas, Romários, Tecos e Tatuís, que graças a Deus são muito teimosos.

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