São Paulo, sexta-feira, 9 de setembro de 1994
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Peça de Jabor imita os versos de Roberto

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Qualquer ser com um mínimo de rodagem na vida sairá para lá de aliviado de "Eu Sei que Vou te Amar", peça escrita por Arnaldo Jabor que estreou no Teatro Ruth Escobar na última terça.
O espectador que já ficou de quatro por mérito de um amor avassalador, que já se humilhou e babou feito cachorro louco diante do ser amado, que já perdeu o rumo de casa por ciúme irá tirar um peso dos ombros ao constatar que o casal jaboriano –interpretado pelo impecável duo Júlia Lemmertz e Alexandre Borges– desfila no palco um repertório de frases familiares a todo e qualquer coitado que já tenha tido a sina de mergulhar naquela patologia agridoce conhecida por paixão.
Na paixão, todos se nutrem das mesmas iguarias tiradas de um mesmo menu restrito, que não varia as ofertas desde os idos da noite de autógrafos do "Kama Sutra".
É precisamente a estranha combinação de reprise de sensações tonitruantes e limitação de repertório que igualam na paixão os sócios do Clube Harmonia de Tênis, os moradores da favela de Vigário Geral e os fiscais do Imposto de Renda.
Justamente porque a paixão é sempre composta da mesma lengalenga, demonstrar qualquer originalidade ao tratar do tema transforma-se em tarefa delicada para o autor.
Não é à toa que Roberto Carlos ficou podre de rico cantando versos prosaicos sobre lençóis da cama e detalhes tão pequenos de nós dois.
Não é à toa que "Fragmentos de um Discurso Amoroso", livro em que Roland Barthes desfila um amontoado de lugares-comuns sobre o amor, tornou-se um best-seller mundial nos anos 80.
E não será um acaso se a peça de Jabor, adaptada do filme homônimo, se converter em sucesso retumbante.
Não é preciso muito esforço para imaginar como será a temporada de "Eu Sei que Vou te Amar" no Teatro Ruth Escobar.
Já posso ver a burguesia paulistana se debulhando em lágrimas quando Borges suplica à Lemmertz que o salve daquela neurose de guerra.
Já posso ver a tensão da platéia quando ela insiste que o marido lhe revele nome e endereço de todas as mulheres com quem a traiu.
Afinal, paixão é tudo igual. Só muda de endereço.

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