São Paulo, sexta-feira, 9 de setembro de 1994
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Artista cubano traz remos à Bienal

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O artista cubano Kcho (diz-se Cátcho) vai expor uma instalação feita com 200 remos na 22ª Bienal Internacional de São Paulo, que abre dia 12 de outubro. Não, ele não quer ser mais um "balsero", como os 32 mil cubanos que deixaram a ilha este ano.
Kcho, 24, nascido Alexis Leyva Machado, é o representante oficial de Cuba na Bienal junto com Tonel. São os artistas chapa-branca, cuja produção vai ser comparada pela Bienal com a do exilado José Bedia (leia entrevista abaixo). É a prova dos nove entre os cubanos de Havana e um cubano de Miami.
Censura, para ele, não é o problema mais grave da arte cubana. É a falta de luz elétrica, como conta na entrevista que se segue:

Folha - Como é possível fazer arte num país que, à distância, parece estar desintegrando-se?
Kcho - O crítico cubano Gerardo Mosquera diz que em Cuba os artistas são como erva daninha. Não dá para destruí-los.
Folha - Cuba é um inferno?
Kcho - No dia em que saí de Havana aconteceu o famoso protesto de 5 de agosto. Desse dia para cá, pelo que leio nos jornais, Cuba se converteu num inferno.
É um inferno, mas eu gosto desse inferno, da minha gente, dos meus amigos. Fazer arte em Cuba é um ato de valentia. Não tem tela, não tem tinta, mas há arte.
Folha - Muitos artistas deixaram Cuba reclamando da falta de liberdade. Você não sente esse tipo de problema?
Kcho - É um problema complicado. Muitos artistas cubanos que fugiram foram serviçais, oportunistas. Comiam na mão do Estado, eram artistas oficiais, comunistas.
Usaram a estrutura do governo e saíram. Bedia nunca foi censurado. Era um artista aprovado.
Folha -Você é comunista?
Kcho - Sou artista.
Folha - Já sofreu censura?
Kcho - Na escola, fiz um trabalho com os símbolos pátrios cubanos. O diretor da escola proibiu porque o Ministério da Cultura proibia esse tipo de uso.
Em pouco tempo, esse diretor caiu em desgraça, foi expulso da escola e eu continuei fazendo o trabalho. Não me aconteceu nada.
Aqui na Alemanha estão censurando uma obra minha. Estou criando uma instalação com botes feitos com caixas de chocolates.
Peter Ludwig, dono do museu e fabricante de chocolates, não quer que eu use as caixas de chocolate da fábrica dele. Isso nunca aconteceu comigo em Cuba, mas há um problema muito mais grave lá.
Folha - Qual?
Kcho - Falta luz elétrica. No verão de 1993 eu trabalhava das 4h às 9h, horário em que tinha luz. A liberdade é preciosa, mas sem luz não dá para trabalhar.
Havana hoje é um lugar muito triste. Tem gente que não tem o que comer, mas estão fazendo hotéis e restaurantes para os turistas. A mim não afeta tanto porque sou artista e vivo viajando.
Folha - Como você sobrevive?
Kcho - Não há mercado de arte em Cuba. Vivo das obras que vendo ao exterior. Se não vendo, morro de fome. Já vendi obras na Alemanha, no México, na Venezuela.
Em 1993 vendi duas instalações para o museu da Televisa, no México, por US$ 5.000 cada. É barato, mas é muito dinheiro em Cuba.
Folha - Por que você vai mostrar na Bienal um trabalho que faz referência aos "balseros"?
Kcho - Os "balseros" são a referência mais direta, mas me interessa o problema da imigração.
A embarcação é um símbolo da resistência de alguém que enfrenta a guerra de se mudar para uma terra estranha e consegue sobreviver, conservar sua identidade.
O bote e o remo são elementos da terra, mas sem ele você não vive na água, não se move.
Folha - Você já teve vontade de sair de Cuba?
Kcho - Não. Não sou um revolucionário fervoroso, mas pátria é como mãe: não se troca. Tenho tios e primos nos EUA, mas não tenho atração por esse país.
Folha - O que te interessa na arte contemporânea?
Kcho - Minha mãe era artesã e meu pai, carpinteiro. Gosto de trabalhos que têm a marca da mão humana. Fiz os 200 remos da obra.
Fui influenciado pela arte povera italiana, por Vito Acconci, mas gosto muito do brasileiro Tunga e da norte-americana Jenny Holzer.

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