São Paulo, sexta-feira, 9 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Regime não deixa artista em paz", diz Bedia

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

'Regime não deixa artista em paz', diz Bedia
Barcos, peixes, ilhas, fronteiras. Esses são alguns dos elementos recorrentes na arte de José Bedia, 35, artista cubano que vive em Miami (EUA). Foi por causa da censura e da falta de condições materiais que ele decidiu deixar seu país em 1991.
Aos 35 anos, Bedia (pronuncia-se Bêdia) é um dos nomes mais importantes da nova geração cubana. Na Bienal, terá uma sala especial para seu trabalho primitivista, ao qual acrescenta imagens do mundo moderno (carros, armas) para protestar contra ele. Uma exposição de seus desenhos e pinturas atualmente está em cartaz no Rio de Janeiro, na galeria Thomas Cohn.
Sobre seu trabalho e sua relação com Cuba, Bedia falou à Folha por telefone anteontem.

Folha - Por que o sr. saiu de Cuba e está em Miami?
José Bedia - Por questões profissionais. Fui para o México e fiquei lá três anos. Queria ficar, mas não pude; o governo não permitia mais. A única opção que tive foi vir para os EUA. Mas não sei por que perguntam a todo cubano que não mora em Cuba por que não mora lá. Um brasileiro, um uruguaio, um mexicano podem viver em Paris ou em Nova York, mas ninguém pergunta por quê. Um cubano tem sempre de dar explicações adicionais. Não vivo em Cuba porque não me interessam o governo cubano e sua censura.
Folha – O sr. disse que saiu por razões profissionais. Quais, exatamente?
Bedia - Cuba nunca deu condições mínimas para os artistas trabalharem. Eu era obrigado a dar aulas. Quase todos da minha geração saíram. O regime de Fidel Castro não nos deixa em paz.
Folha - E como o sr. vê a situação de Cuba no momento?
Bedia - A situação é realmente bastante crítica.
Folha - O sr. acha que os EUA deveriam aceitar todos os imigrantes cubanos?
Bedia - Acho que sim, mas acho que esse não é um problema dos EUA, é um problema do sr. Fidel Castro.
Folha - Profissionalmente, como está a vida do sr. em Miami?
Bedia - Agora estou muito bem.
Folha – Existe um mercado para cubanos na cidade?
Bedia - Não. Vim para Miami porque aqui há uma comunidade cubana grande, então não tenho de falar inglês o tempo todo. Há um vínculo cultural forte. Miami funciona como um substituto para meu país. Mas as galerias que vendem meus trabalhos ficam em Nova York e na Cidade do México.
Folha - Seu trabalho parte da arte primitiva. Por quê?
Bedia - Pretendo encontrar vínculos entre o passado da cultura americana e o presente. O que me interessa sobretudo é o passado indígena da cultura americana e a presença da cultura africana no continente. São culturas com um acento muito peculiar.
Folha - Por isso o sr. foi para o México?
Bedia - No México eu me sentia bastante bem, de fato. Mas não é só a arte primitiva mexicana que me interessa, é toda a arte primitiva das Américas.
Folha - O que o sr. acha do multiculturalismo?
Bedia - Acho que não é mais que um projeto, um credo. Não é realidade, é uma proposição ingênua. A realidade é que hoje ainda se tende a uma unilateralidade da cultura: o Ocidente continua dando as regras do jogo. E há muita intolerância e muito afã de supremacia de uma cultura sobre outra.
Folha - Como serão os trabalhos que o sr. trará à Bienal?
Bedia - Devo levar de quatro a seis pinturas grandes e uma instalação. Meu tema é minha condição de imigrante e tem a ver com o que está acontecendo em Cuba no momento. É sobre como levamos nosso país para onde quer que vamos, como uma valise cultural.
Folha - O sr. participou da Bienal de São Paulo de 1987. O que o sr. achou da experiência?
Bedia - Aquilo foi muito importante. Foi a primeira exposição internacional importante de que participei. E fiquei muito honrado com o convite deste ano porque sinto que o Brasil e Cuba têm muito em comum, como resultado da cultura popular africana. Esses paralelos me interessam.
Folha - O sr. pensa em voltar a Cuba?
Bedia - Com certeza.

Texto Anterior: Artista cubano traz remos à Bienal
Próximo Texto: Varal; Lux; Kir Royal; Duplex
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.