São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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A mídia baba-ovo

RICARDO SEMLER

Que máquina de governo, que nada! A máquina mortífera mora em outro adereço. Aliás, para a surpresa dos outros partidos, a população deu de ombros para as declarações do Ricupero. É o óbvio. Desde quando uso da máquina, inflação mentirosa ou questão de escrúpulos preocupa o eleitor brasileiro?
Se fosse motivo de meditação não estariam no cargo (alguns bem próximos de nosotros) uns notórios bandidos. E não vamos agora querer crucificar o extraordinário, decente e competente Rubens, né gente (que foi "minha gente" com tanto ardor)?
E por acaso alguém sem escrúpulos diria que o é? Isto é conversa para intelectual beneditino, caderno Mais!, o congresso do SBPC. Em relação à Globo, então, o slogan do povo é um só: o povo é muito bobo, arriba a Rede Globo. Ou por acaso o índice do Jornal Nacional despencou nestes dias e ninguém percebeu? Ora, ora. Não é nem mais questão de farsa.
Farsa seria a Globo começar a dar notícias por inteiro. Sejamos realistas –não seria razoável esperar que nossa maior rede de TV fosse isenta– não combinaria com o sistema de concessões governamentais de canais de TV.
As grandes TVs do terceiro mundo estão sempre nas mãos de baba-ovos, elegantes covardes que beijam o traseiro do presidente em exercício.
O que é fascinante é outra coisa: descobrir como, no caso do FHC, o boliche deu strike total. Caíram todos os pinos. O apoio ostensivo de toda a mídia a um único candidato nunca foi tão escancarado numa democracia.
Não estou reclamando já que, como estes veículos todos, acredito no FHC como instrumento de modernização mental do país. Fosse outra a escolha estaria tão irado quanto no caso Collor.
Mas o Collor foi ungido por ordem dos trapaceiros e desonestos, e sua ascensão foi infantil, apenas para evitar o tal do socialismo de sapo barbudo.
Fernando Henrique é diferente. Claro que o jornalismo de bons veículos não deixou, nem deixará, de expor potenciais escândalos do candidato, mas no coração dos cem donos da imprensa nacional palpita a esperança de que ele vença.
A unanimidade, burra que seja como instituição, instalou-se de forma arrebatadora.
Revistas ocupam-se de lhe dar espaços que eram impossíveis há poucos meses, jornais concorrentes igualam-se semanalmente com primeiras páginas dedicadas às pequenas atividades do homem.
Nenhum dinheiro de campanha no mundo poderia pagar tanta centimetragem e tantos minutos de vídeo.
Até o horário eleitoral virou secundário. Não seria espanto nenhum se isto se restringisse à Globo o baba-ovos, mas pegou de rodo as mais independentes publicações do país.
E depois? Virará contra. Não há outro jeito –é o preço de tanta unanimidade. Passados poucos meses da posse, os veículos sérios terão que provar diuturnamente sua isenção.
Será um presidente vigiado com lupa, como ocorreu com González ou Mitterand. E, como dificilmente haverá grandes escândalos, serão os pequenos impropérios que atacarão, como uma corrosão inexorável, a imagem do governo.
O Fernando Henrique não conhece 2.500 pessoas confiáveis, e precisará nomear esta quantidade. A imprensa se ocupará de separar, dolorosamente, o joio do trigo. E parte deste trabalho será para compensar o apoio irrestrito que foi oferecido de moto próprio ao candidato.
Bem, para ser justo, sempre sobrará o Cid Moreira. A Xuxa é que sabe dar a definição de baba-ovo, é só perguntar para ela...

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