São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Brasil é um bom negócio, diz embaixador

GILBERTO DIMENSTEIN; ANDRÉA FORNES
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Melvin Levitsky serviu como vice-cônsul dos Estados Unidos em Belém 27 anos atrás. O avião da Pan Am que trouxe o diplomata fez cinco escalas antes de aterrissar no Brasil.
Levitsky voltou ao Pará no início de junho como embaixador americano no país, para participar da 24ª reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Foi em meados da década de 60 que Levitsky, um descendente de imigrantes da Belarus (ex-república soviética) nascido no Estado de Iowa, aprendeu o português fluente que fala hoje.
Mas ao conceder entrevista exclusiva à Folha, ele preferiu o inglês para expressar com precisão suas idéias. Entre elas, a de que o Brasil está se tornando um bom negócio para norte-americanos. A seguir, os principais trechos.

Folha - Como os EUA reagiriam no caso de uma vitória de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva?
Melvin Levitsky - O que nós apoiamos é o processo democrático. No caso do Brasil, especialmente com o seu passado de regime militar por longo tempo, nosso apoio é ainda maior pelo fato de que haverá eleições democráticas.
Considerando que o país atravessou um período difícil, com a morte do primeiro presidente civil antes da posse, com o primeiro presidente eleito afastado do cargo, vimos um processo de democratização estável nos últimos anos.
Os EUA vão trabalhar obviamente com qualquer candidato que venha a ser eleito.
Claro, que eles estão defendendo diferentes programas durante a campanha. Mas descobrimos, em nossas próprias campanhas, que muitas vezes o que o candidato diz que vai fazer e o que acaba fazendo é bem diferente.
É melhor esperar até que o novo presidente esteja no cargo para ver se os nossos interesses correspondem. O que me surpreende é que nenhum dos candidatos falam sobre política externa.
Esta me parece uma eleição como a dos EUA, a que elegeu o presidente Clinton, porque está centrada em questões internas como economia, qualidade de vida, redistribuição de renda, saúde, educação... Através da campanha, fica difícil saber o que os candidatos pensam sobre política externa.
Folha - O sr. acredita que uma vitória de FHC atrairia mais investimentos?
Levitsky - Nenhum dos candidatos disse que não deseja investimento estrangeiro. No geral, a política externa tende a ser a mesma porque corresponde ao interesse das pessoas, que por sua vez tende a ser o mesmo. Não gostaria de dizer que um ou outro candidato deixaria de atender aos grandes interesses do Brasil.
Folha - O sr. já se encontrou com FHC, mas ainda não se encontrou com Lula. Por quê?
Levitsky - Quando cheguei ao Brasil, há três meses, me perguntaram se aceitaria receber os candidatos. Disse que sim, desde que o candidato tivesse interesse em se encontrar comigo também.
Convidei todos e até agora Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola e Quércia se encontraram comigo. No caso de Lula, francamente, o que houve foi inabilidade de combinar um horário. Não acredito que Lula não queira se encontrar comigo. Mas a decisão depende de cada candidato.
Folha - Na sua opinião, os dois candidatos têm a mesma opinião sobre dívida externa?
Levitsky - O Brasil realizou uma inteligente negociação de sua dívida com os bancos comerciais de modo que o país foi beneficiado. Não faz sentido tentar renegociar o que já é um bom acordo.
Folha - O Brasil se juntará ao Nafta (Acordo de Livre Comércio Norte-Americano, que reúne EUA, México e Canadá)?
Levitsky - Nos EUA, o presidente precisa da autorização do Congresso para negociar com outros países. O Chile parece ser o primeiro país com quem vamos negociar para uma possível inclusão no Nafta.
É muito importante que as organizações regionais sejam expandidas através de uma zona livre de comércio que beneficie todo o hemisfério.
Folha - O sr. acha que o Brasil está se tornando rota para o tráfico de drogas?
Levitsky - Dizem que um diplomata é enviado ao exterior para mentir por seu país. Sempre acreditei no que meu pai costumava dizer: "a honestidade é a melhor política", mesmo que algumas vezes, diplomaticamente, não seja a melhor resposta.
Devo dizer, nesse caso, que estou muito desapontado porque as campanhas políticas dos candidatos não estão lidando com a questão das drogas. Como amigo do Brasil e convidado no país, eu acho que esse é um problema mais sério do que se acredita.
Aprendemos nos EUA a lição. Se você ignora, um problema como o das drogas pode se tornar nocivo à sociedade e impossível de ser controlado.
O dinheiro na mão dos traficantes é tão fantástico que eles começam a fazer coisas que podem destruir uma sociedade democrática como, por exemplo, corromper juízes, policiais, políticos etc.
Na Colômbia, os traficantes mataram em 1989 três candidatos presidenciais. O que se pode esperar de um país como esse, uma narcodemocracia? Felizmente, as medidas necessárias foram tomadas. Com a minha experiência, depois de passar quatro anos em Washington (como secretário-assistente para Assuntos de Narcotráfico Internacional), fico desapontado de não ser um tema importante nas campanhas.
Folha - Baseado em sua experiência, o sr. diria que a situação no Brasil está perigosa?
Levitsky - O Brasil tornou-se uma importante rota de drogas. Quando estive aqui há três anos avisei que isso poderia acontecer em função da pressão na Colômbia. Os traficantes buscam novos caminhos por onde passar a droga.
É um dilema para o Brasil, que tem uma extensa fronteira, muitos rios, áreas desertas onde não existe uma autoridade local, pistas de pouso clandestinas... É uma situação ideal para traficantes.
Se o Brasil tomar medidas drásticas sobre consumo e tráfico de drogas não perderá o controle da situação e estará longe de experimentar algo como aconteceu em meados da década de 80 nos EUA.
A idéia é minimizar os efeitos na sociedade pensando no bem-estar e segurança. Quanto mais cedo o Brasil lidar com o problema mais fácil será controlá-lo.
Folha - Os EUA estão prontos para invadir o Haiti?
Levitsky - Claro que o governo americano está se preparando para levar adiante a resolução da ONU (que prevê invasão do país). Nossa política não é a de invadir o Haiti, mas, como acontece em relação a outros países, garantir o retorno de um governo democrático.
Esperamos que o uso de uma força internacional não seja necessário. Esperamos que o governo militar, que está no poder, enxergue o caminho correto e desista, pacificamente.
Estamos prontos para fazer o que for necessário de acordo com a resolução da ONU. É claro que alguns países resistem à idéia da invasão. Nós também. Mas nosso objetivo, assim como o da ONU, é claro: reinstalar a democracia.
Folha - Como os EUA reagiram ao voto do Brasil, que se absteve, assim como a China?
Levitsky - Ficamos desapontados porque o Brasil não votou com os outros membros do Conselho de Segurança. Mas tenho em mente que o Brasil também não votou contra a invasão. Votar contra seria mais negativo do que se abster.
Uma relação como a que temos com o Brasil não obriga os dois países a terem sempre o mesmo ponto de vista. O nosso desapontamento não vai prejudicar o nosso relacionamento. O objetivo do Brasil é o mesmo que o nosso, reinstaurar a democracia, só não concordamos com os meios a serem usados para atingir esse objetivo. Temos que fazer nossas opiniões coincidirem ou então tentar concordar em discordar.
Folha - Em que áreas existe desacordo?
Levitsky - Prefiria não falar nesse assunto. Os dois países têm histórias diferentes. Questionamos algumas práticas econômicas brasileiras como barreiras comerciais. A questão da propriedade intelectual é uma delas. Não acho que exista desacordo entre os EUA e o governo brasileiro.
O Brasil vê a proteção nessa área como algo importante. O governo tem feito o que pode e algumas vezes ficamos um pouco ansiosos para resolver o problema. Acredito que haverá um forte regime controlando a propriedade intelectual porque será do interesse do Brasil e não porque os EUA estão pedindo para que seja assim.
Folha - O comércio entre os dois países pode crescer?
Levitsky - Há estimativas de que o comércio bilateral passaria de US$ 12 bilhões ou US$ 13 bilhões este ano para US$ 17 bilhões ou US$ 18 bilhões.
Os números relativos ao primeiro semestre indicam que a taxa de crescimento deverá ser de até 30%. É o efeito cumulativo do que vem acontecendo depois que as barreiras comerciais foram reduzidas de 45% para cerca de 14%.
Os investidores e exportadores americanos perceberam que o Brasil é um bom mercado em expansão. Nos últimos meses, eles se deram conta de que o Brasil entrou no caminho certo com o plano econômico.
Os homens de negócio dos EUA estão confiantes a respeito do futuro da economia brasileira. O aumento da confiança só aumentou a atividade econômica entre os dois países. Para nós, o Brasil é um bom lugar para investir e um bom parceiro comercial.
Folha - Pode haver explosão de investimentos com a economia estabilizada?
Levitsky - Não sei se uma explosão, mas crescimento estável é possível. Sei que muitas empresas estão interessadas em investir.
Sei que se os esforços para a privatização forem levados adiante muitas empresas americanas ficarão interessadas em investir aqui.
Sei também que se alguns setores da economia forem liberalizados, como telecomunicações e energia, haverá uma resposta muito positiva do lado americano.
Ao menos que ocorra uma reviravolta da situação atual, a tendência é que o interesse aumente barbaramente. Mas não gosto de falar em explosão porque investidores não agem dessa maneira.
Preferem antes testar o mercado. O setor privado é o melhor termômetro de cada país. A tendência em relação ao país é positiva.
Folha - Quer dizer que é um bom negócio investir no Brasil?
Levitsky - Parece que sim. Mas não para mim que sou diplomata.
Folha - O Brasil está conseguindo se livrar aos poucos de sua imagem ruim?
Levitsky- Ainda há problemas. A imagem é positiva entre empresários, mas a imagem do país com relação à violência, crime, drogas, violação dos direitos humanos e meio ambiente não é boa. Quem vive aqui sabe que isso é exagero. O Brasil não tem desfrutado de uma boa reputação junto aos americanos. Esperamos que o desenvolvimento econômico consiga resolver alguns desses problemas.
Folha - Quando decidiu controlar a entrada de refugiados cubanos nos EUA, o presidente Clinton estava pensando apenas em assegurar uma vitória nas eleições da Flórida?
Levitsky - Os EUA mantêm a mesma política há 30 anos em relação a Cuba. Apenas dois países do hemisfério não são democráticos: Haiti e Cuba. A nossa abordagem em relação a eles se deve à mesma razão. As pessoas não acreditam, mas levamos democracia a sério.
Folha - Os EUA vão conseguir lidar com os conflitos do Haiti e de Cuba ao mesmo tempo?
Levitsky - O êxodo de refugiados dos dois países para os EUA é um difícil problema e por isso assumo que o presidente mudou sua política em relação a Cuba. E por essa razão a Flórida é importante porque foi atropelada pelo número de refugiados. Se enfrentamos a Guerra Fria e a URSS podemos resolver também esse problema.

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