São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Produtos têm preços abaixo do mercado

ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Eletrodomésticos, aparelhos de som, calculadoras e brinquedos estão entrando legalmente no Brasil por centavos de dólar. O esquema permite sonegação de impostos e a concorrência desleal de mercado.
Industriais de São Paulo já haviam alertado o governo para o problema, mas só agora foi comprovada a operação, com um caso documentado no Rio de Janeiro.
Em fevereiro do ano passado, foi registrada na Junta Comercial daquele Estado a empresa Water Way Importações, que tem como sede uma pequena sala comercial em São Cristóvão (zona norte da cidade).
Em um ano e meio, ela importou, por Miami, 170 toneladas de bens de consumo, entre máquinas fotográficas, eletrodomésticos, calculadoras, brinquedos e aparelhos de telefone sofisticados.
Entre os produtos importados pela empresa –sempre abaixo do valor real– estão 510 cafeteiras elétricas, que entraram no país em janeiro último, ao preço oficial de US$ 0,45 a unidade. Igual ao de um cafezinho.
Na mesma guia de importação, ela registrou 504 torradeiras elétricas, de origem chinesa, também pelo preço de US$ 0,45 a unidade (menos que uma passagem de ônibus na cidade de São Paulo).
Em um dos embarques, a empresa trouxe 1.218 balanças para banheiro e cozinha, com preço unitário de US$ 0,23 (três fichas telefônicas); 500 pipoqueiras elétricas, por US$ 1,23 cada, e 616 aspiradores de pó.
Os aspiradores, vendidos por até US$ 79,00 nas lojas de importados, entraram no país por US$ 3,00 a unidade. Fornos microondas, que custam mais de US$ 200 no mercado, passaram pela alfândega como se tivessem custado US$ 22,8.
Com o preço menor dos produtos, o importador conseguiu reduzir os impostos a quase zero e colocou os produtos no mercado em condição vantajosa sobre os fabricantes locais e os que importam sem sonegação.
O caso descoberto no Rio de Janeiro mostrou que a operação está acontecendo com a chancela dos dois ministérios responsáveis pela fiscalização do comércio exterior: Fazenda e MICT (Ministério da Indústria, Comércio e Turismo).
Os produtos entraram no país cumprindo todas as formalidades legais exigidas na importação. O primeiro documento é a guia de importação, liberada pelo Departamento Técnico de Intercâmbio Comercial, subordinado à Indústria e Comércio.
Antes do governo Collor, a emissão das guias era precedida de uma análise para verificar se faturas eram condizentes com os preços praticados no mercado internacional.
O exame era feito pela extinta Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, que ocupava um edifício inteiro no Rio de Janeiro e tinha equipes de funcionários especializados em cada setor da indústria.
A estrutura foi reduzida no governo Collor e o controle do comércio exterior, que pertencia à Fazenda, passou para o Ministério da Indústria e Comércio.
Hoje, só há exame prévio de alguns produtos, como automóveis e matérias-primas. Na maioria dos bens de consumo, o único comprovante exigido pelo governo para liberação da guia de importação é a cópia da fatura emitida pelo exportador do produto, no exterior.
Se houver conluio entre exportador e importador, a fatura pode ser emitida com valores abaixo do real e a diferença de preço é remetida para o exterior através do mercado paralelo de dólar.
No caso descoberto no Rio de Janeiro, as faturas foram emitidas por uma empresa chamada General Mix Import-Export, com sede em Miami.
Quando os produtos chegam no porto, o documento que permite o desembaraço da mercadoria na alfândega –chamado Declaração de Importação– reproduz os preços da guia de importação e sobre estes valores são recolhidos os impostos.
A Receita Federal, segundo fiscais do porto de Santos, aceita os valores das guias porque não tem um banco de informações sobre preços internacionais.
Além de sonegação de impostos e da concorrência desleal de mercado, essa operação traz um outro prejuízo: desvirtua as estatísticas sobre o comércio exterior.
É com base nas guias e nas declarações de importação que o governo calcula o volume total das importações e saldo da balança comercial brasileira.
A comprovação desta operação pode demonstrar que o valor real das importações é maior do que o mostrado pelas estatísticas e que o saldo da balança, em consequência, é menor do que o divulgado.

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