São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Processo no STF teve mais de 600 recursos

FLÁVIA DE LEON ; MÁRCIA MARQUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O embargo de declaração, mecanismo criado para questionar partes específicas de uma decisão judicial, transformou-se no recurso que mais tem contribuído para a lentidão da Justiça.
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Octávio Gallotti, reconhece que há excesso de recursos e que eles poderiam ser reduzidos.
Muitos destes recursos são apenas protelatórios, outros não têm cabimento. Este é o caso de Wong Sin Tak. Na batalha para reaver a guarda do filho, ele já interpôs mais de 600 recursos no STF, todos considerados incabíveis.
Outro caso é o do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social). O STF julgou que é autoaplicável o artigo da Constituição que prevê que os benefícios da Previdência não podem ser inferiores a um salário mínimo.
Desde então, o INSS vem recorrendo a cada pagamento que tem que fazer. Há um caso do Instituto em que foram interpostos quatro embargos de declaração sobre um agravo regimental (permite a uma das partes questionar a decisão com base no regimento do STF) sobre um recurso extraordinário (caminho para levar ao Supremo questionamento sobre matéria constitucional).
A queixa dos ministros e juízes contra estes recursos é a de que, mesmo sendo incabíveis, eles tomam tempo, pois precisam ser necessariamente analisados.
Muitas vezes, os recursos são utilizados por uma das partes envolvidas no processo, exatamente para protelar a decisão. Se um juiz percebe a distorção, pode punir, com base no Código de Processo Civil, com a aplicação de multa de 1% do valor da causa.
O excesso de recursos que tornam mais lento o Judiciário acabou produzindo uma outra distorção: a concessão desmedida de liminares.
Hoje, nenhum advogado entra com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo, por exemplo, sem um pedido de liminar. "A cautelar era uma excessão", disse o ministro Sepúlveda Pertence.
Cansado de ver atos de governo suspensos através de uma medida cautelar, o presidente Itamar Franco chegou a criticar o Judiciário, afirmando que ali havia uma "indústria de liminares".
O presidente do STF não concorda com a designação, mas admite que as liminares são dadas em profusão. "Em muitos casos o juiz fica estimulado a dar uma liminar prevendo que aquilo poderá demorar dois ou três anos", disse.'
Para o ministro Gallotti, o excesso de liminares é causado por "uma certa ansiedade da população, justamente pela morosidade da Justiça".
O risco, nestes excessos, é a liminar perder a característica pela qual foi concebida, que é conservar alguma coisa que já existia. Na linguagem jurídica, atualmente, já se fala em "liminar satisfativa", que acaba por antecipar uma decisão que só deveria ser dada no processo principal.
"A liminar é um ato de grande responsabilidade do juiz, pois pode servir para resguardar provisoriamente um direito reclamado, como pode causar perturbadoras soluções, afetando a ordem, a segurança e a economia públicas, principalmente as satisfativas", adverte o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro William Patterson.
Segundo ele, "a legislação deveria estipular condições para a concessão de liminares ou oferecer mecanismos mais eficientes para seu controle e meios eficazes para inibir o seu deferimento".
Em um dos muitos enfrentamentos com o Judiciário, Itamar editou uma MP (Medida Provisória) para proibir a concessão de liminares contra atos do governo.
A medida foi considerada inconstitucional pelo STF. Um ministro classificou o ato do Executivo de "surto autoritário". Segundo este ministro, estes "surtos" denotam uma "tendência irresistível do poder Executivo fazer-se hegemônico".
Este mesmo ministro, no entanto, admite que houve uma utilização "abusiva" das liminares para a satisfação imediata dos direitos reclamados.
(FL e MM)

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