São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Semana da Pátria sugere o tema da interdependência

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Wendell Willkie, quando vice-presidente dos Estados Unidos da América do Norte, previu a tendência mundial, na segunda metade do século, ao escrever que "internacionalismo político sem internacionalismo econômico é casa construída sobre a areia. Porque nenhuma nação pode alcançar sozinha o seu mais amplo desenvolvimento". Foi em 1943, no livro "Um mundo só".
Lembro Willkie, porque há sete dias, ao se iniciar a Semana da Pátria, pus em questão a soberania e a interdependência entre as nações. Completo as idéias expostas para dizer que convém às nações mais ricas diminuir a importância da soberania. E mais: a nação não-rica, que –sob desculpa de um novo direito internacional– cede a terceiros as decisões de seu interesse, estará auto-condenando-se a um papel permanentemente secundário no futuro do planeta.
Na segunda edição de meu livro "Direito Constitucional Brasileiro" (São Paulo, Saraiva) fiz anotação que vale para o assunto. Observei que "sob formas muitas vezes ocultas à população, grandes corporações econômicas, de nível transnacional, interferem no controle político. São providas de mecanismos que lhes permitem escapar da fiscalização de cada Estado tomado individualmente". A anotação vale porque é fácil imaginar onde chegaremos com a soberania enfraquecida.
Há um meio termo possível. Tome-se o exemplo do bloco da Comunidade Européia. Desenvolveu-se ao longo da segunda metade do século XX inspirado inicialmente por impulsos econômicos. Terminou, porém, unificado ao nível do direito, ainda que mantidas as miríades de grupos regionais, cônscios de seus característicos históricos, mas convencidos dos interesses comuns, que compreenderam a matéria jurídica.
Princípios constitucionais sulamericanos (aqui considerados predominantes, pelo maior equilíbrio entre as nações) deverão ajustar-se à idéia nuclear da integração econômica, política, social e cultural na América do Sul, no que pode vir a ser o maior êxito coletivo delas desde o rompimento dos vínculos coloniais, no século 19.
As questões atinentes à lei aplicável, à competência de uma autoridade judicial regional ou a obrigatoriedade de laudos arbitrais transnacionais deverão ser resolvidas, nos próximos anos, para encaminhar as soluções cabíveis, no plano material.
Haverá problemas sérios. Tomo o exemplo da doentia balda latino-americana do gigantismo da burocracia. Max Weber distinguiu quatro elementos na burocracia (divisão do trabalho, níveis de exercício da autoridade administrativa, posição do indivíduo na estrutura, com o papel que ele representa e regras para as relações entre componentes da estrutura). O controle da administração com base no conhecimento dela seria exercido, racional e impessoalmente, a contar desses elementos. Todavia, o que se notou, sob disfarce de afirmar a indiferença das decisões administrativas, foi a entronização da burocracia como fato dominador em si mesmo, resistente a qualquer mudança e com a irreprimível tendência de crescer.
A resistência das empresas transnacionais, cujos centros de decisão são dinâmicos em países, blocos ou continentes diversos (escapando às leis e aos organismos do Poder Executivo e do Judiciário locais), se associará à burocracia, para dificultar a interdependência das nações não-ricas. Na interdependência a composição dos interesses da soberania e da cooperação terá complicações. Saber delas, apesar de desanimadoras, é melhor na hora de as enfrentar.

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