São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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A grande contradição dos nossos tempos

OSIRIS LOPES FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dizia o filósofo que a água que corre pelo rio nunca é a mesma. A afirmativa encerra a constatação de que o mundo da natureza está em constante mutabilidade, embora o observador desatento possa pensar que as coisas permaneçam eternamente como estão num dado momento, em equilíbrio imutável.
Na vida das sociedades modernas a regra é a mudança. A inovação, a invenção, as tecnologias vão introduzindo novos produtos e descobertas, coroando o desenvolvimento da ciência.
Infelizmente, o progresso científico e material não tem sido acompanhado por simétrica evolução da ética. Essa, a grande contradição dos nossos tempos.
O homem ganha os espaços siderais, a ida à lua não é apenas uma realidade de histórias em quadrinhos, mas uma conquista efetiva da ciência e da tecnologia.
Entretanto, milhões de pessoas morrem de fome ou morrem em consequência de guerras que vão pipocando pelo mundo afora.
No nosso país, cansado da espera inatendida em face de bandeiras de moralidade empunhadas por portadores fraudulentos, surgiu uma reação que antes de levar ao desânimo de obtenção de tempos melhores possibilitou a criação de uma consciência ética da população, reivindicando o atingimento de um patamar de comportamentos, na vida pública, de decência, moralidade, pureza, integridade, eficácia, honestidade e franqueza.
Anteriormente, tinham havido campanhas nesse sentido, que empolgavam setores da sociedade, mobilizados por políticos demagógicos, sem que o fenômeno adquirisse a generalidade aprofundada dos dias de hoje.
Ávida de ética, a sociedade vai elegendo como modelares os homens públicos cuja ação se conforma com os padrões éticos ideais que ela anseia ver implantados.
O dilema dessas eleições é a intensidade de concentração de esperança em pessoas que, por serem humanas, são suscetíveis de erros e falhas, pois é da essência da liberdade, característica do homem, a sua falibilidade.
Os eleitos não são deuses, ainda que possam pensar sê-los, e se fossem heróis, no máximo o seriam de ocasião, sem compromisso de perpetuidade com o comportamento exemplar.
A identificação da sociedade com os seus modelos escolhidos tem, ao longo do tempo, levado a decepções traumáticas que aumentam sentimentos de descrença e de desesperança.
Como superar isso? Parece óbvio multiplicar o número de pessoas com comportamentos exemplares, em tal potencialização que, obtida a multidão, seja impossível o destaque individualizado. O exemplar será a regra e não a exceção.
Um passo a ser dado é o de disseminação da educação. Não apenas voltada para a transmissão de saberes, conhecimentos e técnicas, mas para o aprendizado dos valores básicos da convivência social, da valorização da cidadania, da consagração da Justiça, da vida democrática e da sociedade livre.
Outro é o aprimoramento das instituições, principalmente as da área pública. Essas são as grandes devedoras do povo brasileiro.
Divorciadas do interesse público, têm sido mais um fim em si mesmas, prisioneiras dos que as controlam para satisfação de vorazes apetites próprios, do que a objetivação do atingimento potencializado das finalidades para as quais foram instituídas.
A reformulação do Estado brasileiro obriga, num aprofundamento necessário, à completa revisão de todo o seu aparelho, de forma a pô-lo como um instrumento efetivo de prestação dos serviços públicos essenciais que a população deseja e faz juz.
Educação, saúde, assistência social, segurança, justiça e bem-estar não são mais desejos ou sonhos da sociedade, mas concreções a serem viabilizadas aqui e agora.
A ampla aceitação popular do plano de estabilização econômica e monetária, do qual o real é a materialização diária, está a indicar que o povo quer realizações imediatas e concretas que atendam às suas necessidades elementares, sem tergiversações.
Unir o pensamento à ação, eis o que é aguardado. Nada de discursos nobres e ações claudicantes ou diversionistas.
As possibilidades de o Plano Real dar certo estão mais ligadas à sua dinâmica aberta, propícia à adesão do povo (que ocorreu com intensidade), do que à criatividade e ao talento dos tecnocratas que o conceberam e montaram. A necessidade é criativa e se impõe avassaladoramente.
A elite nacional tem dívidas para com o povo brasileiro. O progresso tem sido usufruído por ela, com migalhas para a imensa maioria da população, marginalizada dos seus frutos mais valiosos.
A longo prazo, não haverá paz social possível sem o estabelecimento de um nível de convivência menos selvagem do que o hoje existente entre a elite aproveitadora e o povo sofredor.
A continuidade da vida democrática implica que a população pobre do país tenha uma melhoria concreta de seu nível de vida, de sorte a ficar evidenciado que a democracia é mais do que uma conquista burguesa e constitui efetivamente um sistema político que possibilite igualdade de oportunidades para todos e, principalmente, melhor repartição dos frutos do progresso e da riqueza nacional.

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