São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994 |
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'Canções profanas' ganham edição bilíngue
JOÃO ÂNGELO OLIVA NETO
Os carmina burana são canções profanas, anônimas, escritas em latim medieval no século 12, provenientes da abadia de Benediktbeuren, a antiga Bura Sancti Benedecti, que dá nome ao cancioneiro. Seus autores eram em geral clérigos que estudavam nas escolas mantidas pela Igreja (únicas do tempo) não para tornar-se sacerdotes e monges, mas apenas para preencher os cargos de tabelião, secretário, e outras funções da burocracia católica. Não estando submetidos, como os monges e os sacerdotes, a normas tão rígidas, e não sendo originários dos mesmos estamentos sociais, os clérigos eram intérpretes de várias tendências sociais e culturais. Com o dinamismo urbano do século 12, logo abandonavam a vida escolar, vagando de cidade em cidade, compondo suas canções e vivendo do que os ouvintes lhes davam. Eram chamados, por isso, de }clerici uagi, –clérigos errantes. Foram identificados com os goliardos– "familiares de Golias" (ou seja, "inimigos, como Golias, da fé cristã"), e diferenciavam-se dos trovadores porque não compunham, como estes, em língua vernácula, mas em latim. Pela crítica feroz que dirigiam ao Papa, à mundanização da Igreja e aos detentores do poder eclesiástico, anteciparam em cinco séculos algumas das idéias reformistas de Lutero e Calvino. Em linhas gerais, o conteúdo dos }carmina burana se divide em três grupos temáticos: canções satírico-moralísticas; canções amorosas, que fazem perdurar temas da Antiguidade clássica, como a alegria com a primavera que retorna, a idéia do amor como servidão e aprisionamento, a criação de "personagens amorosas"; e canções de taberna, de bebedores de vinho e jogadores de dados, que à sua maneira, também continuam a antiga tradição greco-latina da poesia simposiástica (a poesia convivial, própria do ambiente dos banquetes) e hedonística (relativa aos prazeres terrenos, à beleza, e a sua fugacidade). Maurice van Woensel, o tradutor, procurou manter, como ele mesmo afirma, o rítmo do texto original, que já era baseado em rimas e no próprio acento que as palavras latinas tinham na prosa. Percebe-se sua preferência pelo vocabulário simples e coloquial. Poderiam talvez ser mais claramente denunciados os critérios métricos de sua versão. É explícita sua preocupação com poesia, com tradução poética de poesia, com poesia latina medieval: é muito bem-vindo e oportuno por isso o seu livro. Uma luz no fim do tédio. JOÃO ANGELO OLIVA NETO é mestre em letras clássicas e professor de latim na USP Texto Anterior: A amazônia entre a ciência e a fábula Próximo Texto: Freyre e o "outro" modernismo Índice |
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