São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Patinho feio dos museus da USP faz cem anos de crise

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O principal museu de zoologia da América Latina está completando cem anos, mas continua sofrendo a mesma crise de identidade que o acompanha desde o nascimento. E corre risco de desaparecer pelo mesmo motivo que algumas espécies de animais: a extinção de seus pesquisadores, quase todos próximos da aposentadoria.
O Museu de Zoologia da USP sempre teve vocação para patinho feio. Começou sua existência como parte do Museu Paulista (mais conhecido como Museu do Ipiranga), hoje também da USP.
Passou para a Secretaria de Agricultura paulista antes de ser incorporado à principal universidade do país.
Ironicamente, a USP tem um Departamento de Zoologia no seu Instituto de Biociências que não tem nenhum vínculo institucional com o museu. Essa separação se reflete até na distância. O museu fica no bairro do Ipiranga e o departamento fica na Cidade Universitária, no Butantã.
Ser patinho feio significa que desde 1986 o Museu não contrata um novo pesquisador para se somar aos seus parcos 16 cientistas, segundo o diretor, o biólogo José Luiz Moreira Leme, 60, especialista em moluscos. Recentemente foi requerida a contratação de seis, mas o pedido não foi aceito pela reitoria.
Isso faz com que o museu cuja especialidade é o estudo da fauna brasileira não tenha um curador para mamíferos, nem para aves, uma situação difícil de explicar para os inúmeros pesquisadores estrangeiros que ali buscam auxílio.
Outra ironia: apesar desse quadro de pessoal pequeno, o museu tem contribuído pesadamente para a formação de pesquisadores para outras instituições no país.
Cerca de meia centena de pós-graduandos frequenta o museu, usa sua biblioteca e coleção de animais em seus estudos.
Toda instituição científica costuma ter um equilíbrio entre pesquisadores jovens e experientes. "Desse jeito o museu vai desaparecer", diz a bióloga Francisca Carolina do Val, especialista em moscas drosófilas que coordena as comemorações do centenário, marcadas para setembro, para coincidir com o aniversário do bairro de Ipiranga.
Uma reforma recente modificou a iluminação e tornou o museu mais claro, mas aquele ar de instituto de pesquisa do século 19 permanece. Alguns dos animais empalhados são de fato mais velhos que o museu, pertencendo às coleções originais que iniciaram o acervo em 1894.
A disposição dos bichos na exposição pública ainda é essencialmente a mesma da década de 40. Não há recursos modernos para tornar a mostra mais atraente às dezenas de garotos de escolas que visitam o museu diariamente. O museu também não tem monitores para orientar os professores que trazem seus alunos.
Apesar desse ar vetusto, o museu é um centro de referência mundial para o estudo da fauna tropical latino-americana. "Nossa coleção de aranhas vive viajando", diz o diretor, às vezes mais que os próprios pesquisadores, alguns dos quais, como o especialista em répteis e ex-diretor Paulo Vanzolini, são fonte de referência obrigatória na ciência zoológica.
Uma orientanda de Vanzolini, Silvia Fazzolari-Corrêa, publicou este ano a descoberta de uma nova espécie de morcego em São Paulo. Descobrir novas espécies de animais grandes como os mamíferos é um feito raro.
Silvia faz pós-graduação na USP e reclama da falta de infra-estrutura do museu. "Faltam coisas básicas como vidros, álcool, papel de xerox e mesmo papel higiênico", diz ela.
Um museu de zoologia não precisa de grandes equipamentos, mas o da USP se ressente de coisas que em outras unidades são comuns. Há poucos e antiquados computadores. Só há duas linhas telefônicas. E não há aparelho de fax.

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