São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Chevardnadze quer ONU com força militar

JAIME SPITZCOVSKY
ENVIADO ESPECIAL À GEÓRGIA

Para evitar que o separatismo continue a fazer vítimas nesta era de conflitos étnicos, o planeta precisa de uma Organização das Nações Unidas munida de suas próprias Forças Armadas, para atuar em missões de paz.
O presidente georgiano, Eduard Chevardnadze, formula a receita com a experiência de quem ajudou a destruir a Guerra Fria nos anos 80, quando foi o chanceler da desaparecida União Soviética.
"Se o cenário e as rivalidades da Guerra Fria continuassem, eu acho que uma Terceira Guerra mundial seria inevitável", opina.
Na ex-república soviética da Geórgia, Chevardnadze enfrenta hoje o mesmo inimigo que o derrotou em Moscou: o separatismo.
A pequena Geórgia, com um território menor do que Pernambuco, luta com separatistas da Abkházia. Os rebeldes, por enquanto, vencem a guerra.
Embora ilhado pela crise étnica e econômica, o presidente Chevardnadze mostrou bom humor quando recebeu a Folha na semana passada. Fez gracejos e falou sobre futebol. Disse preferir Romário a Bebeto.
Na entrevista, falou em georgiano e não em russo, idioma que usou para mudar o mundo com a diplomacia da perestroika.

Folha - Com o fim da Guerra Fria, despontam os problemas étnicos causando guerras, como na Geórgia e ex-Iugoslávia. Qual dos dois cenários é melhor?
Eduard Chevardnadze - Se o cenário e as rivalidades da Guerra Fria continuassem, eu acho que uma Terceira Guerra Mundial seria inevitável. Houve realmente consequências da perestroika que não consideramos quando do começo das reformas.
A perestroika não foi um processo pensado com muita antecedência ou planos prévios. Apenas sabíamos que não era mais possível viver da maneira como vivíamos no período soviético.
Também não imaginamos que as reformas estimulariam forças que acabariam desintegrando a própria União Soviética.
Folha - Mas agora o sr. dirige uma Geórgia independente, que em 1992 se afastou da Rússia e priorizou as relações com o Ocidente. Dois anos depois, a Geórgia volta a se orientar rumo a Moscou. O Ocidente, em especial os EUA, o decepcionou?
Chevardnadze - Eu não acho que os EUA poderiam ter feito muito mais do que fizeram. Se Washington decidisse mandar tropas para a Geórgia, numa missão de manutenção de paz, essa decisão não ia contar com apoio da opinião pública americana.
Folha - A presença de tropas russas lembra o passado, quando havia tropas soviéticas em território georgiano.
Chevardnadze - Agora vamos ter uma relação diferente com a Rússia. Mas também não resta dúvida de que temos relações mais próximas com a Rússia do que com qualquer outro país.
Folha - Então o sr. concorda com Mikhail Gorbatchov, que publicou um artigo prevendo uma nova aliança entre as repúblicas da ex-URSS.
Chevardnadze - Agora estamos falando de um novo tipo de integração, baseado principalmente na economia. Defendo algo semelhante ao processo em curso na Europa Ocidental.
Folha - Sem a URSS, que país poderá desafiar os EUA?
Chevardnadze - Mas por que um país deveria fazer isso? Não há nenhuma necessidade de termos um mundo bipolar, como nos tempos da Guerra Fria.
Folha – Qual a maior ameaça à estabilidade mundial neste fim de século?
Chevardnadze - O principal problema, a meu ver, é que o mundo ainda não compreendeu o processo que aconteceu no fim dos anos 80. Em vez da buscar por soluções globais, estimuladas pelo fim da Guerra Fria, apareceram também visões muito estreitas, como o separatismo.
A própria desintegração da URSS foi um estímulo aos separatismo espontâneo e desordenado.
Folha - E como controlar esse separatismo }espontâneo e desordenado?
Chevardnadze - Acho que um dos fatores decisivos é definir um novo papel para a ONU, com mais poderes. Defendo a criação das Forças Armadas da ONU, para manutenção da paz. Defendo novas funções e poderes para o Conselho de Segurança da ONU, além de sua ampliação.
Devemos aperfeiçoar mecanismos que garantam a aplicação de suas resoluções e punição para os crimes contra a humanidade. Ano que vem vou propor um pacote de mudanças para a ONU.
Folha - Em sua proposta de ampliar o Conselho, o sr. inclui o Brasil como candidato a integrante permanente?
Chevardnadze – No ano passado, defendi a inclusão de dois países: Alemanha e Japão. Numa segunda expansão, o Brasil estará entre os meus candidatos.
Folha - Sem levar em conta aspectos humanitários, por que o Ocidente deve ajudar a Geórgia? Qual sua importância geopolítica?
Chevardnadze - Não vou dizer que todos os caminhos passam pela Geórgia. A importância da Geórgia é considerável, principalmente para a nossa região, o Cáucaso, para os países do mar Negro e do mar Cáspio, Turquia e Irã, Ucrânia e os países dos Bálcãs.
Por aqui passam rotas estratégicas e no futuro ainda vai se fortalecer mais a importância como uma ponte entre a Europa e a Ásia.
E ainda mais uma razão: nela vemos georgianos (risos).
Folha - Daqui a cem anos, como os historiadores vão descrever o papel de Chevardnadze?
Chevardnadze - Não só porque estive envolvido nelas, mas acho que as mudanças recentes no mundo são o evento mais importante do século 20. Se conseguirmos um século 21 pacífico e estável, deveremos lembrar que os primeiros alicerces foram erguidos ainda neste século. E acho que temos chance de assistir uma era marcada por paz e estabilidade.

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