São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Livro expõe 'outro' Mitterrand

ANDRÉ LAHOZ
DE PARIS

O lançamento de um livro há uma semana está causando um turbilhão na política francesa.
"Uma juventude francesa - François Mitterrand, 1934-1947", de Pierre Péan (Editora Fayard, 616 páginas, US$ 32), narra a história do atual presidente francês quando jovem, fazendo surpreendentes declarações sobre suas atividades em organizações de direita.
Mitterrand colaborou com o autor. Chegou a abrir arquivos secretos para Péan. Em recente entrevista ao jornal "Le Figaro", qualificou o autor de "honesto e sério".
Para muitos, a surpresa e a decepção começam na capa do livro: ela mostra Mitterrand (que é do Partido Socialista) com o marechal Pétain, comandante francês durante a ocupação alemã.
Mitterrand chegou a Paris aos 18 anos, em 1934. Era um jovem religioso, que veio estudar direito na capital. Entrou para os Voluntários Nacionais (movimento jovem cujos ideais são nacionalismo, xenofobia e tradição). Como o presidente afirma ao "Le Figaro": "Eu era o produto do meu meio: a pequena burguesia francesa católica, tradicionalista e de direita".
Como integrante dos Voluntários, Mitterrand se alinhou com toda a direita francesa contra o professor de direito Gaston Jèze, que defendeu Hailé Selassié, cassado de seu trono com a invasão da Etiópia pelas tropas de Mussolini.
Sobre esse período, ele afirma jamais ter pertencido a grupos de extrema direita. "Nem eu nem ninguém de minha família tivemos qualquer coisa de antisemita."
No início da guerra, Mitterrand foi preso e em seguida fugiu. E aí começa um dos episódios que mais estão causando mal-estar à esquerda. Sempre se soube que Mitterrand participou do regime de Vichy (pró-nazista), mas ele argumentava que na verdade estava apenas encobrindo seu trabalho na Resistência francesa.
Segundo Péan, Mitterrand era realmente petainista e trabalhava com os prisioneiros do regime. "Nós fazíamos fichas classificando os comunistas, os gaullistas (seguidores do general De Gaulle, que de Londres comandava a Resistência) e os considerados antinacionalistas", afirma Mitterrand.
Só no ano seguinte (1943) é que Mitterrand faria contatos com a Resistência. Mas a revelação mais chocante do livro é relacionada ao relacionamento em 1943 entre ele e o policial Jean-Paul Martin, colaborador de René Bousquet, o chefe da polícia de Vichy.
Bousquet foi julgado por ter enviado inúmeros judeus aos campos de concentração, entre eles 4.000 crianças que nem haviam sido requisitadas pelos alemães.
Em seu julgamento, em 1992, Bousquet não mostrou o menor remorso por suas vítimas, chamadas por ele de "judeus estrangeiros".
Não há registro de encontro de Mitterrand e Bousquet na época da guerra, embora o autor afirme que é provável que isso tenha ocorrido.
Mas Mitterrand chegou a tornar-se amigo do nazista -assassinado em 1993-, chegando a fazer declarações em seu favor durante o julgamento. Uma amizade difícil de engolir para os franceses.

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