São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Estado em crise

São sem dúvida conhecidas as principais chagas que afetam o Estado brasileiro e fazem da sua reforma uma das prioridades do país. Ainda assim, ver a crise do poder público exposta de modo abrangente, nas suas variadas formas e enorme dimensão, como faz o caderno "Brasil 95 –Reformas Políticas" que esta Folha publica hoje, não pode deixar de impressionar.
Do absenteísmo do Congresso à morosidade do Judiciário, passando pelos labirintos burocráticos do Executivo, a radiografia revela uma máquina estatal incapaz de atender às necessidades da população que a sustenta e despreparada para responder às demandas de um país que luta para se desenvolver.
No Legislativo, por exemplo, as distorções começam por uma afronta ao princípio básico da democracia: um homem, um voto. Há deputados que se elegem com 18 vezes menos votos do que outros, criando na prática eleitores de primeira e de segunda classe.
Mas não são apenas aberrações estruturais como essa que distanciam o Parlamento da população que deveria representar. Seu próprio funcionamento cotidiano tornou-se fonte constante de desalento e frustração.
Como revela o caderno, dos 1.402 projetos aprovados nesta legislatura, apenas 3,1% originaram-se no próprio Congresso –e muitos destes eram meras propostas paroquiais, como as que todos os anos são feitas aos milhares para o Orçamento. Nesse sentido, aliás, o caderno levanta o debate acerca da correta tese de limitar a apresentação de emendas orçamentárias apenas a partidos ou bancadas.
A face mais notória do Legislativo, porém, talvez seja a do absenteísmo, da omissão. Sustentada por privilégios e artifícios como o voto simbólico e um generoso abono de faltas, a tradição de inoperância corrói cada vez mais a imagem desse órgão crucial para a democracia.
Também o Executivo é vazado por vícios, embora de outra ordem. Apenas 11% dos servidores, informam as reportagens, trabalham em atividades-fim, com todo o restante espalhando-se pelos meandros de uma estrutra irracional e redundante. O resultado, óbvio, são serviços piores e mais onerosos do que seria possível oferecer.
Mais ainda, o agigantamento do Estado produziu como que feudos internos nos quais se entrincheiraram corporações. Sem determinação para contrariar tais interesses, não haverá reforma administrativa digna do nome. A falta de planos de carreira, a estabilidade garantida e também o loteamento de cargos que se promove a cada nova gestão (mais de 60 mil) contribuem para engessar ainda mais o governo na ineficiência atual.
Embora disponha talvez de uma imagem um pouco menos desgastada, o Poder Judiciário enfrenta problemas também graves e, como sabem todos que já recorreram a ele, presta serviços lentos demais.
A legislação processual –que permite um excesso de recursos– e a estrutura da Justiça, eivada até de acusações de nepotismo, contribuem para agravar a situação. Juizados especiais mais ágeis e a adoção de algum tipo de controle externo são medidas que devem ser estudadas com atenção.
O saldo do raio X apresentado não é nada animador, mas serve para afastar qualquer dúvida –se é que ainda há alguma– quanto ao imperativo de que a reforma do Estado seja prioridade para quaisquer que sejam os vencedores das próximas eleições.

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