São Paulo, terça-feira, 13 de setembro de 1994
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Quem tem medo da boca-de-urna

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

É crime distribuir, no dia da eleição, qualquer espécie de propaganda política: prisão de um a três meses. Para o legislador, a conduta é mais grave que a doação ilegal de recursos para partidos e candidatos, punida só com pena de multa.
Afinal, por que o Congresso reprime uma prática tão inofensiva (diante de outras anomalias do processo eleitoral) e que, de certo modo, já faz parte da tradição política brasileira?
Três argumentos são opostos ao costume da boca-de-urna. O primeiro, e decisivo, é o "barateamento" das eleições. Como nem todos partidos têm militares sinceros, os "boqueiros" são recrutados em troca de lanche e de migalhas da arrecadação financeira, legal ou ilegal. Por esse motivo, pensam os autores da lei, seria "injusto" que uma legenda como o PT levasse vantagem. Proibir, nesse caso, é conveniente.
O segundo argumento é de ordem moral: dá verniz ético ao oportunismo do primeiro. É realmente uma vergonha, depois de meses e meses de propaganda, apostar na desinformação do eleitor no dia do voto.
A terceira explicação é mais provinciana. A lei é idealizada para que, na marra, o dia da eleição seja como na França ou nos EUA, um dia como outro qualquer. Mas aqui, o dia do voto não é feriado? Não se proíbe a venda de bebida alcoólica? O jornalismo da TV não fica sob censura? No Brasil, por causa da lei, o dia de eleição não é mesmo um dia qualquer...
Nada mais irritante do que ser cercado por pessoas que você não conhece, esbravejando propaganda de Samir ou de Genoino, de candidatos sérios ou não. Mas, entre a frustração pessoal de quem preferiria manifestações políticas mais "amadurecidas" e a repressão policial dessa gente, há uma distância enorme.
É evidente que nem tudo deve ser tolerado. Ameaça, coerção e violência não fazem parte do ritual de civilidade política e devem ser contidas pelo poder público. Mas proibir a boca-de-urna, genericamente, é um atentado primitivo à liberdade de manifestação do pensamento: se existir uma única pessoa interessada em divulgar seu voto, toda e qualquer forma de repressão é ilegítima.
Incrível, mas no Brasil o cidadão é menos cidadão justamente no dia de votar. Não pode fazer proselitismo daquilo que acredita, do candidato que, na sua opinião, é melhor. Deve se dirigir à urna e voltar para casa. De preferência, envergonhado.
A lei, ora a lei. Ninguém hesita em desrespeitá-la. Aposto que os partidos farão boca-de-urna em 3 de outubro. Assim como desrespeitam as regras absurdas do horário eleitoral, exibindo, por exemplo, cenas não gravadas em estúdio. Em 88, o uso de camisetas com propaganda era caso de polícia, mas a boca-de-urna foi "liberada" a mais de cem metros do local de votação. É uma piada.
Em vez de declarar a inconstitucionalidade visível da norma, de fazer prevalecer o império da lei, tirando a Constituição da lata do lixo, a Justiça Eleitoral cumpre um papel bisonho. Promete energia contra a boca-de-urna! Mas vai fazer o quê? Requisitar tropas de choque? Usar estádios de futebol para a acomodação dos presos? Ou fingir que é cega e punir apenas um ou outro "delinquente" sem padrinho político?
Não se sabe o efeito da boca-de-urna no resultado da disputa, mas o eleitor não precisa dessa tutela farsante. Se escolher um candidato só por causa do "santinho" que recebeu, bem feito. Um dia ele aprende a votar.

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