São Paulo, quarta-feira, 14 de setembro de 1994
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Os votos inesperados

JANIO DE FREITAS

As preferências do eleitorado estão sujeitas, em todos os Estados, a graves deformações induzidas por um defeito gráfico na cédula de votos para presidente, governador e Senadores. O Senador que aparece no alto da lista de nomes vai receber, inesperadamente, muitos votos que o eleitor do real pensará estar dando a Fernando Henrique Cardoso.
Em matéria de comunicação visual, a cédula contraria as regras mais primárias. Sua disposição é a seguinte: à esquerda, os quadradinhos para votação em presidente; vem, em seguida, uma despropositada linha vertical, separando os quadradinhos e nomes e seus partidos; logo depois destes, vem outro quadradinho, mas destinado a voto para Senador. Além de muito próximo do candidato a presidente, este segundo quadradinho está separado dos nomes para Senadores por outra intempestiva linha pontilhada vertical.
O eleitor menos advertido vai marcar o seu voto para presidente no quadradinho mais próximo do nome do seu candidato e, além de mais próximo, não separado dele por uma linha. É, porém, o quadradinho para Senador. Como o exercício do voto é um ato tensionante para grande parte do eleitorado, a disposição gráfica da cédula vai aumentar muito a possibilidade já natural de erro dos eleitores pouco letrados.
Em todos os Estados, o primeiro nome para presidente e o primeiro para Senador coincidem na mesma linha. Daí por diante, a coincidência depende do número de candidatos a Senador em cada Estado. Naqueles em que Lula da Silva estiver na mesma linha de um candidato a Senador, este também será beneficiado com votos que seriam daquele. Mas, pelas coincidências dos primeiros nomes em todos os Estados, conclui-se que a comemoração de Fernando Henrique, quando foi sorteado para encabeçar a relação, hoje está sendo anulada por um pesadelo.
Nos Estados onde algum candidato a governador ou ao Senado tenha saído da lista, mas depois de sorteada a ordem dos nomes pelo Tribunal Superior Eleitoral, a disposição da cédula induz outro erro do eleitor. O caso do Rio é exemplar: considerado inelegível o candidato que ocupava o oitavo lugar na relação, o TSE substituiu seu nome por um asterisco que remete para uma nota no pé da cédula. Diz ela: "impossibilitado de participar das eleições por decisão do TSE". Só que esta nota, que deveria estar no espaço do nome retirado, ficou bem embaixo do último nome da lista, o de Saturnino Braga. A lógica visual, até pelo tamanho mínimo do asterisco, levará muitos a supor que o inelegível é Saturnino.
Se muitos eleitores não entenderão a cédula, nenhum será capaz de entender como foi ela aprovada pelo TSE, com erros gráficos tão óbvios.
Frase contra frase
A defesa de Fernando Henrique Cardoso na queixa apresentada à Justiça Eleitoral por Orestes Quércia, no caso Ricupero, sustenta que "a transmissão foi fruto de esperta manobra tecnológica". Isto exigiria que o pessoal da TV Globo soubesse com antecedência o que Rubens Ricupero iria dizer.
Mas, depois de achar que houve "esperta manobra", a defesa considera que a transmissão se deu "por falha tecnológica ou negligência do pessoal técnico". O que nega a "esperta manobra".
Vai mais longe, ao concluir que Ricupero apenas "defendeu sistematicamente o Plano Real". Logo, a "esperta manobra" não foi feita contra o então ministro, o real e Fernando Henrique, mas a favor dos três.
É raro haver uma defesa tão pouco esperta.

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