São Paulo, quarta-feira, 14 de setembro de 1994
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Genealogia do tubérculo

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Não é novidade para quem atravessou o período mais negro da ditadura. A imprensa então comprometida com o poder –fosse que espécie de poder– dava cobertura àquele "ame-o ou deixe-o". Quem não estava a favor da ditadura estava contra o Brasil. Criticar a tortura ou denunciar a repressão eram falta de patriotismo, fazer o jogo dos inimigos da nação. A advertência do governo resumia-se no cacete e na transposição de um slogan americano: amar ou deixar o Brasil.
Passou a ditadura, todos se vestiram de democratas, de amantes da liberdade e da justiça. Vem o Plano Real e temos a reedição, não do slogan (que caiu no deboche), mas do mesmo argumento: criticar o Plano Real é sabotar o Brasil, é ser mau patriota. O plano é o próprio Brasil.
Leio na primeira página dos jornais engajados na candidatura oficial: "Metalúrgicos do ABC fazem greve contra o Real".
Escamotear a verdade, além de ser crime, é bobagem. O ex-ministro Ricupero que o diga. Não importa que, a curtíssimo prazo (mais três semanas), a manipulação facilite a eleição do candidato do governo. Tal como no caso da ditadura de 64, a verdade um dia aparecerá, crimes e bobagens cobrirão de opróbio os beneficiários da mentira, os aproveitadores do poder. Serão salvos pela costumeira cara-de-pau.
Ninguém fez ou fará greve contra um plano que ameaça estabilizar a moeda.
O candidato oficial deu uma de Maria Antonieta: reconheceu a perda salarial, mas sugeriu que os prejudicados esperassem pela data-base. É o mesmo que, à falta de pão, aconselhar que o povo coma brioches.
O novo governo –a se concretizar a vitória das forças que apóiam o sistema– estará ferido em sua legitimidade. Será um natimorto. Gastará o mandato de forma vegetativa –tal como Itamar e Sarney. Só encontrará alguma organicidade na hora de eleger o sucessor para prolongar o esquema vegetativo. Governo será um tubérculo que dá de quatro em quatro anos.

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