São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 1994
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Crítica inglesa edita obra de Siron Franco

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ela foi responsável por grandes exposições e livros da história da arte ocidental. Desvendou o trabalho de monstros sagrados como Marcel Duchamp (sobre quem está escrevendo uma biografia), Jean Arp e Francis Bacon.
Agora a crítica e historiadora londrina Dawn Ades, 51, está no Brasil. Seu objetivo: vasculhar vida e obra do artista Siron Franco.
Em entrevista exclusiva à Folha, Dawn Ades fala dos grandes movimentos artísticos contemporâneos e de seu interesse atual pela arte brasileira.

Folha - Qual é sua referência na história da arte?
Dawn Ades - Minha paixão inicial foi o surrealismo. A formação acadêmica na Europa é muito tradicional. A contemporaneidade chega até, no máximo, o cubismo.
Mas eu queria estudar um movimento interdisciplinar. Então fiz minha tese de mestrado sobre o surrealismo e o dadá. Esses movimentos mudaram o rumo da arte. Seus artistas já estabeleciam um diálogo entre as mídias artísticas.
Jean Arp era escultor e poeta; André Breton era escritor, mas também construía seus poemas-objeto. E Duchamp, antes de ser artista, foi um pensador.
Folha - Como se estabelece a influência de Duchamp a partir do Dadá?
Ades - Ela aparece sempre e engrossa o caldo artístico dos anos 60, com o mininalismo, a arte conceitual e o pop norte-americano. Nos EUA, com inspiração duchampiana, os artistas começaram a questionar o que seria arte, como seria fugir do sistema mercadológico das galerias, como transformar arte em vida e operar em todas as mídias, sem restrições.
Folha - E, na Inglaterra, como a arte tomou corpo a partir do boom americano dos anos 60?
Ades - Na Grã-Bretanha, também tivemos nossos "filhotes de Duchamp", como é o caso de Richard Hamilton. Muitos acreditavam que a pintura estava morta e partiram para a chamada Land Art, com instalações em meio à natureza. O maior exemplo é Richard Long, que estará aqui na próxima Bienal.
Folha - Críticos norte-americanos, como Robert Hughes e Rosalind Kraus, acreditam que este tipo de arte –utópica, abstrata, mística– sofreu um desgaste e deu lugar a uma volta à tradição, ao figurativismo, à arte comercial. Você concorda?
Ades - Sim, o fenômeno da volta à figura é real. Começou 15 anos atrás. De repente, as pessoas "descobriram" artistas que já vinham pintando figuras há muitos anos. Mas só em 1980 o contexto histórico se tornou favorável para que fossem valorizadas.
Folha - Esta volta ao figurativo ocorre paralela à crise mundial do mercado de arte. Seriam estes elementos propícios para um descoberta internacional da arte latina, com tradição figurativa e mais barata?
Ades - De fato. Meu interesse pela arte latino-americana sempre foi grande. Dou cursos na Universidade de Essex desde 1978 sobre o tema. Mas só agora encontro eco junto aos produtores de arte, galeristas e editores para explorar a arte contemporânea latina. E sobretudo a brasileira, que tem um equilíbrio particular entre narrativa e abstração, crítica social e humor.
Folha - Como a sra. tomou contato com os brasileiros contemporâneos?
Ades - Foi na Bienal de São Paulo de 1987, quando vi uma enorme instalação de Tunga. Depois conheci o trabalho de Cildo Meireles, que também admiro muito. Finalmente, um aluno meu mostrou-me obras de Siron Franco. Percebi que se tratava de um artista grandioso, com o fôlego e a vitalidade natural de um Picasso. Ele não se prende a estilos, constrói de abstrações a monumentos indígenas. Não pára nunca.
Folha - E a idéia do livro?
Ades - Qual não foi a minha surpresa ao saber que nada havia sido escrito sobre Siron. Junto com este aluno brasileiro, comecei a pedir slides de suas obras e a contatá-lo. Conseguimos um "pool" de patrocínio privado e já temos data de publicação, em agosto de 95.
O livro terá 180 fotos com obras, uma biografia e um texto crítico. Em São Paulo, será lançado no Masp e, em seguida, na Galeria São Paulo, com uma exposição concomitante. Publicaremos inicialmente 5.000 exemplares, uma edição em inglês e outra em português. A idéia posterior é traduzi-lo em outras línguas. Abre-se um grande mercado internacional para a arte brasileira.

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