São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 1994
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O ódio que se encerra

O relatório sobre os direitos humanos no Brasil divulgado esta semana pela Anistia Internacional descreve uma situação sob todos os apectos lamentável. Mas –e talvez aí resida o fato mais relevante– não traz nada que não se saiba. As violências acontecem dia a dia, a mídia as divulga –e o quadro de barbaridades sucessivas, como atesta a própria Anistia, se acentua cada vez mais. A sociedade parece ter se acostumado a um cotidiano de brutalidade e violação.
Assassinato de crianças, chacinas sucessivas, tortura nas delegacias, impunidade dos criminosos –tudo isso está incorporado, com cores de sangue, à realidade dos cidadãos brasileiros. É um reflexo trágico do estado de insegurança crônica, de violência urbana crescente e das vicissitudes de um período de crise econômica e social. Mas é preciso ressaltar, antes de qualquer coisa, que o documento da Anistia Internacional relata uma sequência de fatos inaceitáveis em qualquer lugar que se pretenda civilizado.
Problemas graves como o desemprego e a miséria, que se sabe contribuem para agravar violência no país, comportam apenas soluções de prazo longo. Mas há fatores conjunturais a combater, do envolvimento de policiais com a tortura ao extermínio sistemático de pessoas. Neste fim de século, o esforço de afirmação do Brasil como nação efetivamente em desenvolvimento passa necessariamente também por garantir ao cidadão, seja ele quem for, os seus direitos fundamentais.
Nesse sentido, deve ser saudada a iniciativa da Anistia Internacional de cobrar dos candidatos à Presidência da República propostas que possam resultar numa atuação um pouco mais satisfatória da Justiça e dos quadros policiais.
A impunidade e a conivência constituem dois fortes fatores a alimentar a escalada de ferocidade ora verificada. O desinteresse de parcelas significativas da população dá também decisiva quota de contribuição. O documento da Anistia é mais um alerta –a somar-se a tantos outros– aos que pecam pela omissão ou pela indiferença.

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