São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 1994
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É injusto?

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Com sua candidatura impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral, o presidente do Senado, Humberto Lucena, virou um bode expiatório? Resposta: virou. O uso da máquina pública é generalizado dentro e fora do Congresso: tão generalizado que se tornou um costume aceito como "normal". Mas ele deveria ou não ser punido?
Ao se defender, Lucena escudou-se na noção da normalidade –ou seja, se "todos fazem, também posso fazer". É a suposição de que a banalização do delito o transforma em legal. O argumento costuma ser repetido quando a vítima tem poder –e muitas vezes funciona. Foi usado e abusado, por exemplo, pelos políticos e empresários que passaram pelas CPIs.
Jamais se concederia tal flexibilidade aos pés-rapados. Imagine-se um indivíduo preso por bater uma carteira. Na delegacia, admite o crime, mas pede para ser solto. Afinal, centenas de milhares de brasileiros também assaltam. O delegado vai rir. Se o ladrão tiver sorte, não recebe uma bolacha na cara.
O problema é que, no Brasil, a lei serve para um amplo show de encenação. O Congresso produziu uma legislação eleitoral: determina que a manipulação de dinheiro público por um candidato estabelece como pena a impugnação da candidatura. É certo ou errado? Não importa.
Importa que a lei foi votada pelos próprios parlamentares. Cabe ao Judiciário executá-la. De duas, uma: ou o Congresso pára de produzir leis a fim de que não corra o risco de infringi-las. Ou proíbe o Judiciário de julgar.
Até considero injusto que o senador Lucena seja punido sozinho. Como por várias vezes, nesta coluna, considerei injusto só o empresário PC Farias estar na cadeia: é algo como prender o gerente do banco pela alta taxa de juros. Reconheço que a prática é generalizada e até consigo entender por que Lucena se sente injustiçado.
Mas são episódios assim que se prestam a vigorosos exemplos para que práticas "normais" deixem de ser normais. Nunca devemos cansar de repetir o terrivelmente óbvio: dinheiro público chama-se público porque é do público.

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