São Paulo, sábado, 17 de setembro de 1994
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Mais empregos, aqui

ODED GRAJEW

Algumas lideranças empresariais brasileiras demonstraram uma atitude subserviente ao governo de plantão, no "superado" episódio da conversa do ex-ministro Rubens Ricupero com o jornalista Carlos Monforte. Daria até para desconfiar que, em vista dos desdobramentos, esses empresários não souberam defender os próprios interesses, muito menos os da nação.
A falta de uma atitude mais altiva, corajosa e coerente levou um setor do empresariado a aplaudir de pé o ex-ministro que acabara de chamá-lo de "bandido". Esse tipo de postura empurra o Brasil para posições inferiores no ranking das potências econômicas e, pior, diminui a esperança de que milhões de brasileiros possam superar o estado de indigência em que se encontram.
Embora essa facção dos empresários acredite que o discurso do PT representa o "anti-real" e o "quanto-pior-melhor", a saída Lula pode significar uma rara oportunidade de modernização para o país.
O atual modelo de inflação baixa sem aumento salarial, abertura indiscriminada das importações e juros altos para conter a demanda se contrapõe ao "choque de oferta" preconizado pelo programa de Lula. A atual política econômica não favorece o investimento interno em bens de capital, muito menos a produção de bens de consumo.
O governo brasileiro deverá receber, em breve, uma carta de agradecimento dos sindicatos norte-americanos, europeus e japoneses, pois, com a redução nas alíquotas dos importados, acaba de provocar mais um choque de demanda nas indústrias do exterior.
O modelo econômico de Lula não deixa dúvidas: prioriza o aumento dos salários na matriz da renda nacional. Com o choque de oferta, incorpora milhões de excluídos ao mercado consumidor. Induz o fluxo de capitais à produção, enfrentando os lobbies dos especuladores e dos juros altos.
Fortalece as micro, pequenas e médias empresas, simplificando impostos e facilitando créditos. Democratiza o acesso às compras governamentais e ao capital produtivo. Termina com a burocracia, as dificuldades de capital de giro e os embaraços à "tecnologização". Gera empregos aqui e não lá fora.
A experiência das câmaras setoriais, como aconteceu com a do setor automobilístico, aponta para uma política negociada de rendas que viabiliza o controle social da inflação. A câmara setorial da indústria de veículos conseguiu baixar impostos (15%) e preços (20%), com acréscimo de salários (20%), além de criar mais de 15 mil novos empregos. E ainda houve um superávit de 31% na arrecadação de impostos e de 56% na produção.
As câmaras setoriais facilitam o avanço das relações entre o capital e o trabalho, sem interferência do governo. Quando o governo mete a colher, o processo acaba mal.
Foi o que aconteceu com a intromissão do ministro Ciro Gomes que inviabilizou o acordo entre os metalúrgicos do ABCD e as montadoras. A posição do ministro tornou mais grave o "imbróglio" porque havia o compromisso dos fabricantes de não repassar o reajuste salarial aos preços.
Muitos empresários não perceberam a diferença entre o discurso e a ação, quando o ex-ministro e atual candidato Fernando Henrique Cardoso, que se diz preocupado com as questões sociais, implantou o Fundo Social de Emergência, retirando verbas da saúde, educação e habitação.
Todo empresário deveria refletir que, sem educação, sem saúde e sem paz social, não existe trabalhador qualificado, não há competitividade, os consumidores desaparecem e o mercado acaba.
Ao lado disso, como esperar o equilíbrio das contas públicas tão necessário no combate à inflação, quando o PSDB faz aliança com setores fisiológicos e depredadores dos recursos do Estado?
Depois de Collor, FHC não seria um "harakiri" econômico? Essa pergunta os empresários responsáveis deveriam fazer agora para depois não serem enterrados como "bandidos de Ricupero".
O atual modelo que desconsidera a importância de regras claras e duradouras; que desestimula a negociação entre governo, trabalhadores e empresários; que escancara o Brasil à concorrência desleal levará o nosso país a se transformar numa imensa zona franca.
Lula enxerga os empresários como propulsores do desenvolvimento, como parceiros e não como fascínoras. Para o PT, a abertura abrupta e casuística do mercado de produtos importados mata os "bandidos" e deixa milhares de famílias sem renda. O produtor fecha a fábrica e abre uma "trading". Isso não sugere um modelo civilizado de desenvolvimento da sociedade.
Ao contrário, exclui a grande maioria do empresariado da mesa de negociações, sinalizando mais descrédito e menos investimentos na produção. Os empresários deveriam assumir de imediato sua imensa responsabilidade, sem receios e com coragem, procurando defender interesses autênticos para, depois, não ter de chorar sobre o leite derramado.

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