São Paulo, sábado, 17 de setembro de 1994
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Greves e estabilização econômica

MARCO AURÉLIO BEDÊ

A greve dos metalúrgicos do ABC vem ferindo os próprios princípios que fundamentam o movimento. Alegam os dirigentes sindicais que a recomposição mensal dos salários com base na inflação do mês precedente é um direito adquirido, previsto nos acordos de 92 e 93. Contudo, esses acordos foram estabelecidos num contexto inflacionário onde a taxa de inflação era da ordem de 25% ao mês, num ambiente de crescente indexação da economia.
É inegável que uma queda do patamar inflacionário, de 50% ao mês para 1% ao mês, seja uma mudança significativa no ambiente econômico, principalmente se levarmos em conta que tal mudança foi provocada pela quebra nos mecanismos inerciais da inflação, a partir do Plano Real. Evidentemente, os maiores beneficiados por essas mudanças foram os trabalhadores. Portanto, essa queda do patamar inflacionário torna desnecessária a recomposição mensal dos salários, mesmo porque não está descartada a possibilidade de deflação.
Além disso, a retomada dos reajustes mensais é danosa aos próprios interesses da classe trabalhadora. A estabilidade de preços é uma conquista permanente que atinge todas as categorias. Por outro lado, a reindexação proposta pelos sindicatos dos metalúrgicos traz de volta o componente inercial da inflação, que a médio e longo prazo tendem a corroer o poder aquisitivo dos salários, em particular dos segmentos menos protegidos.
Com a estabilização em curso abre-se a oportunidade para que aumentos nos salários sejam conquistados, claramente, através do crescimento da produtividade e ou da redução das margens de lucro das empresas. Ou seja, não se pode ser conivente com o mero repasse aos preços. Uma maior participação de uma categoria no bolo deve ser obtida com a redução da parcela relativa ao capital, e não às custas das demais categorias de trabalhadores.
Na indústria montadora de veículos, por exemplo, de fevereiro de 1993 para cá, o ganho de produtividade da mão-de-obra foi de 39% (14,3 veículos por trabalhador/ano atual, contra 10,3 veículos por trabalhador/ano, em 1993). Contudo, apenas parte desse ganho foi transferido aos metalúrgicos, através dos 26% de aumentos salariais concedidos acima da inflação, no mesmo período.
Se se tem em mente que as montadoras têm determinado reduções lineares nos preços das autopeças, fica claro que suas atuais margens de lucro guardam espaços para reduções adicionais nos preços dos veículos, o que contribuiria para a redução do nível de preços da economia e/ou aumentos salariais até maiores que os conseguidos até aqui (o que não vale para o segmento fornecedor de autopeças).
Trata-se, portanto, de mudar o foco das discussões para a redistribuição dos ganhos de eficiência das empresas e da renda gerada pela cadeia produtiva, sem que isso implique na retomada da indexação e do processo inflacionário.

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