São Paulo, sábado, 17 de setembro de 1994
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Mosquitos e camelos, outra vez

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Outro dia lembrei aquele trecho do evangelho, dos escribas e fariseus hipócritas que coavam um mosquito e engoliam um camelo. O TSE acaba de coar um mosquito ao cassar a candidatura de um senador por abuso na gráfica do Senado. Sem dúvida, um mosquito que deve ser coado, mas nada além disso: um mosquito.
Garantem que nenhum senador, dessa ou de outras legislaturas, está inocente. O próprio candidato oficial, também senador, admitiu que usou a gráfica do Senado para imprimir discursos e relatórios de suas atividades parlamentares.
Querer impugnar sua candidatura por causa disso é mais do que uma violência: é uma tolice.
O que está errado não é o uso da gráfica. O camelo, na história, são as mordomias que os congressistas se deram. A gráfica é uma dessas mordomias, mas não a principal nem a mais revoltante.
A transferência do aparelho estatal para Brasília justificou as iniciais compensações do funcionalismo público –congressistas no mesmo balaio. Trinta e quatro anos depois da mudança, não há razão para as vantagens adicionais, os privilégios que, uns mais, outros menos, compõem a mordomia. É congressista quem quer, quem se habilita e luta para isso. O candidato a uma cadeira no Congresso sabe que terá de morar longe de seu domicílio habitual, numa cidade que tem crises de clima e às vezes crises e climas piores.
E há o caso do novo ministro da Fazenda que exerceu um curto mandato de governador e já tem direito a uma aposentadoria. Lembro o ex-presidente Café Filho. Ele sujou sua biografia num episódio golpista, mas era um homem honesto. Depois de deixar o governo chegou a passar necessidades –embora tenha sido, também, ex-parlamentar.
O então governador Carlos Lacerda o nomeou para o Tribunal de Contas a fim de que o ex-presidente não fosse obrigado a vender o único bem que possuia, o modesto apartamento no Posto 6 onde morava. É um exemplo de um outro Brasil. Nem sempre ir para a frente é o mesmo que progredir.

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