São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
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O poder do desatino

JANIO DE FREITAS

As idéias que estão vicejando no grupo de ideólogos do Plano Real e, a julgar pelas atuais pesquisas eleitorais, ideólogos do futuro governo, levam a insensatez ao nível do desvario. Algumas dessas idéias foram expostas, com certos revestimentos atenuadores do seu autoritarismo, pelo ministro Beni Veras, do Planejamento, e por Edmar Bacha, assessor especial do Ministério da Fazenda.
A origem das idéias em questão é a incompatibilidade entre numerosos preceitos da Constituição e os projetos de reformas acalentados pelo grupo –reformas das instituições, do Estado, da ordem econômica e da ordem social. Demonstrado pelo fracasso da revisão constitucional que o Congresso, com a formação que terá até fevereiro de 95, não faria as alterações da Constituição imaginadas pelo grupo, a solução, como a expôs Bacha, seria levá-lo a pelo menos extrair uma parte dos preceitos constitucionais. Isto aconteceria já entre meados de outubro e final de novembro.
As partes retiradas seriam depois substituídas, não mais por novos artigos constitucionais, mas por leis complementares votadas progressivamente pelo novo Congresso. E o que seria retirado da Constituição? Os seus preceitos sobre a Previdência Social, as relações entre empregados e empregadores, a organização do Estado sobre as relações entre o governo federal e os Estados e municípios, sobre estatais e sobre o sistema tributário. E mais alguma coisa.
Não é preciso uma percepção muito aguda para constatar, de imediato, que a proposta consiste em substituir parte da Constituição pelo vácuo, até que fossem votadas as tais leis complementares –supondo-se que o fossem algum dia. E só imaginar a ausência de instrumentos legais reguladores, por piores que sejam, naqueles campos das relações econômicas e sociais que seriam retirados da Constituição, já mostra o grau de imprevidência insana das idéias do grupo.
Mas da baderna tão previsível viria o segundo passo dos ideólogos: dada a inconveniência de aguardar o problemático e demorado processo legislativo até a aprovação de cada lei complementar, seriam emitidas Medidas Provisórias. Ou seja, a nova fisionomia institucional e constitucional do país não viria mais do Congresso eleito, mas do que parecesse conveniente à meia-dúzia de economistas que está conduzindo o governo –com Medidas Provisórias já diárias, ou quase.
A prepotência destas idéias é absolutamente antidemocrática. Daí, provavelmente, que Beni Veras tentasse dar-lhes aparência menos ditatorialesca, introduzindo uma suposta participação da sociedade: "Já que o Congresso não atua, por que não pensar em novos mecanismos?", sendo estes a votação de um novo texto constitucional pelos eleitores, à base do sim ou não. E, pergunta-se, que nova Constituição seria submetida ao eleitorado, já que "o Congresso não atua" e, portanto, o texto não proviria dele? Claro que uma Constituição feita pela mesma meia-dúzia de economistas, com o auxílio redacional de um desses políticos-advogados que o descuido de alguém intitulou de jurista.
Vivemos duas décadas de ditadura. Mas o espírito que a manteve por tanto tempo não se foi com ela: ficou enraizado na mentalidade dos tecnocratas, cujos maiores expoentes são, invariavelmente, os paladinos do economismo que vem devastando este país e sua gente.

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