São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
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Os partidos fora do lugar

MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO

Um fato intrigante da política brasileira é a falta de correspondência entre os nomes dos partidos e os objetos que eles designam. O PPR não é exatamente um partido "progressista", o PTB está distante de um partido "trabalhista" do tipo britânico, e o PSDB em nada lembra um partido "social-democrata" como o alemão.
Esse desvio, porém, segue um padrão: todos os nomes são deslocados para a esquerda. Um levantamento junto a deputados estaduais mostra que a maioria dos partidos procura parecer mais progressista do que é. A direita se apresenta como centro, e o centro, como centro-esquerda. Hoje o Brasil é um país sem direita.
Ora, nem sempre foi assim. Houve um tempo em que os nomes designavam as coisas correspondentes. Na época do Império, os conservadores estavam no Partido Conservador e os liberais no Partido Liberal. Na República Velha, ainda não havia receio em batizar uma organização de Partido Republicano Conservador.
O deslocamento para a esquerda começa em 1945, quando surge o primeiro "Partido Social Democrático". O quadro se agrava nos anos 80, e hoje o TSE está entupido com registros de partidos "trabalhistas", "progressistas" etc.
A mudança ocorreu, portanto, entre 1930 e 1945, e foi provocada pela extensão dos direitos políticos às camadas majoritárias da população –os trabalhadores assalariados e autônomos. Na República Velha, a proibição do voto do analfabeto excluía do eleitorado a maioria das pessoas: em 1894, os votantes eram apenas 2,2% da população; em 1930, somavam 5,6%.
Como a alfabetização não se distribuía de forma aleatória, o eleitorado era formado pelos segmentos que concentravam a riqueza social –proprietários rurais, empresários, profissionais liberais. Nessa época, não havia necessidade de distorcer os nomes, uma vez que existia uma identidade entre os políticos e os votantes: ambos pertenciam aos mesmos grupos sociais.
A situação mudou após a Revolução de 1930. Os votantes aumentaram com os avanços no ensino público e concessão do voto às mulheres. Em 1945, os eleitores já perfaziam 16,2% da população. Essa ampliação acarretou a incorporação de parte dos assalariados (44,8% da População Economicamente Ativa em 1940) e autônomos (31,8%) ao eleitorado.
Esse fato rompeu a identidade entre representantes e representados. Antes, o político representava eleitores do seu grupo social. Depois, passou a representar eleitores de outros grupos. O Congresso continuou a ser integrado, em sua maioria, pelas camadas que concentram a riqueza, mas o eleitorado passou a ser formado, cada vez mais, por assalariados e autônomos.
A cisão entre partidos e eleitores provocou o descolamento entre a retórica eleitoral, agora destinada às massas, e a prática política. Os atos não mais se seguem às palavras: as promessas de campanha, repetidas a cada pleito, logo são esquecidas no governo. Um ministro da Fazenda já disse que os partidos precisam mudar de programa quando chegam ao poder. E, não faz muito tempo, outro ministro declarou, após tomar posse: "Esqueçam tudo o que eu escrevi."
A prática governamental não acompanhou a inflexão do discurso para a esquerda. Mas, para atender às expectativas dos trabalhadores, os partidos trocaram de embalagem, e passaram a se apropriar indevidamente dos nomes usados pelos socialistas na Europa, aqui empregados para denotar coisas inteiramente diversas: legendas de esquerda, partidos de direita.

A coluna ERA UMA VEZ é publicada às quartas-feiras

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