São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
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Política dos EUA envergonha Carter

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter elevou ontem o tom de suas críticas contra a política de Bill Clinton para o Haiti.
Carter, 69, disse que o governo dos EUA erra ao evitar contatos com o presidente de fato do Haiti, Emile Jonassaint, e com a junta militar haitiana.
A porta-voz da Casa Branca, Dee Dee Myers, respondeu: "O presidente Carter tem uma visão diferente do problema. É um direito dele".
Carter disse que continua e continuará em contato com Cedras e Jonassaint porque "ninguém no Departamento de Estado ou na embaixada nem mesmo se comunica com eles e eu creio que esse vácuo entre os dois países é um problema muito sério".
Pessoas presentes ao encontro de segunda-feira de Carter e Clinton com parlamentares para detalharem os termos do acordo com a junta militar revelaram ontem que o ex-presidente criticou o atual na presença dele.
Carter disse que chamar Cedras de "ditador", como Clinton fez em dois discursos em rede nacional de televisão, é "simplesmente um erro".
Desde segunda-feira, Clinton passou a se referir ao líder da junta militar haitiana como "general Cedras". Diversos integrantes do governo têm feito elogios ao "sentido de honra" e ao "patriotismo" de Cedras.
Carter disse se sentir "envergonhado" pela política dos Estados Unidos para o Haiti e admitiu ter revelado esse sentimento durante o fim-de-semana.
Ainda ontem, Carter atacou Clinton por não ter ordenado o fim do bloqueio econômico, que deveria ter acontecido "de imediato" nos termos do acordo.
O ex-presidente também revelou que desejava ter permanecido no Haiti por mais alguns dias para corrigir o que chama de "imperfeições" do acordo bilateral mas foi obrigado por Clinton a retornar a Washington.
Pesquisa do Instituto Gallup divulgada ontem pela rede de TV CNN mostra que 70% dos entrevistados creditam ao ex-presidente Carter o não derramamento de sangue na ocupação do Haiti. Só 15% dão o crédito a Clinton e 7% aos dois.
A pesquisa também mostra que 51% dos consultados aprovam a condução dada pelo governo à crise haitiana. Na sexta-feira, só 35% a aprovavam.
O presidente Bill Clinton recebeu ontem duras críticas de congressistas de seu partido, o Democrata, por motivos opostos aos que motivaram os ataques de Carter, também pertencente ao mesmo partido.
Os senadores Tom Harkin e Cristopher Dodd acusaram Clinton de ter feito concessões demais à junta militar.
Harkin condenou o governo por ter-se "aliado" a Cedras. Dodd disse duvidar que Cedras cumpra sua palavra de entregar o poder em 15 de outubro.
Carter reafirmou sua confiança na manutenção do compromisso de Cedras, com quem disse ter conversado pelo telefone ontem.
Na Câmara, muitos representantes do Partido Democrata também criticaram Clinton por ter passado a respeitar Cedras, a quem chamou de "ditador", "bandido" e "responsável por um reino de terror", na semana passada.
Eles compararam a situação dos EUA no Haiti à enfrentada pelo país na Somália. Naquele país, outro líder político, Mohammed Farah Aidid, foi qualificado como "bandido" por Clinton e depois transformado em aliado.
As tropas norte-americanas na Somália caçaram Aidid por dias para prendê-lo, até sofrerem humilhante derrota em batalha de rua que deixou 18 americanos mortos.
Depois disso, os EUA se retiraram e Aidid chegou a ser transportado em avião militar norte-americano para uma conferência de paz.

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