São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
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'Tonton macoutes' dominam um país dividido

CLÁUDIO JULIO TOGNOLLI
DO ENVIADO ESPECIAL

O Haiti está dividido. Nas ruas, a população que passa na capital apóia o presidente Jean-Bertrand Aristide. Mas funcionários de classe média apóiam ostensivamente o general Raoul Cedras.
Nos muros do bairro de Peyton Ville, onde mora a classe alta haitiana, podem ser vistos pichados nos muros protestos como "Abaixo Aristide comunista".
A incerteza no comando do país já está gerando as primeiras vítimas depois da invasão americana.
Na tarde de ontem, um vendedor de cocos de cerca de 40 anos morreu assassinado com golpes de cacetete da Polícia Nacional, porque estaria atrapalhando a movimentação de tropas dos EUA (leia abaixo).
Outro homem morreu assassinado a tiros, disparados pela Polícia Nacional quando gritava o nome de Aristide na favela Cité Soleil.
Agora, em Porto Príncipe, cada litro de gasolina é vendido a US$ 10, o suficiente para se encher o tanque de um automóvel no país vizinho, a República Dominicana.
Na noite de domingo começaram a ser racionadas água e energia elétrica. Os 2 milhões de moradores do centro de Porto Príncipe saem às ruas no começo da noite em busca de carvão, velas e querosene para iluminar suas casas.
Michel Sason, funcionário público, estava a vender ontem latas de refrigerantes a US$ 2 cada, o suficiente para se comprar dez delas nos EUA. Funcionário da Teleco, a companhia telefônica estatal haitiana, ele foi desalojado de seu cargo de telefonista anteontem, pelas mãos de "tonton macoutes".
Desde a invasão dos EUA, os "tonton macoutes" vêm tomando paulatinamente conta dos órgãos estatais e federais.
Em Jimaní, cidade dominicana que fica na fronteira com o Haiti, os "tonton macoutes" controlam a entrada de jornalistas, cobrando, por cada visto, valores que variam entre US$ 400 e US$ 1.500.
Para entrar no Haiti de carro, a reportagem da Folha pagou a um coronel "macoute" chamado Felix US$ 400 por um visto. Para dar passagem a Porto Príncipe, os "macoutes" exigiram mais US$ 300, com o compromisso de que não fosse publicado que o trato havia sido feito com militares.
Em Porto Príncipe, as ruas estão lotadas com montes de lixo que chegam a 2 m de altura. Há vários encanamentos estourados. Em 50% da cidade o esgoto corre a céu aberto. Os haitianos passam os dias andando nas ruas, por causa do calor de 40 graus e porque não suportam o cheiro de esgoto.
Um passeio de táxi de 5 km está custando US$ 50 e os telefonemas ao exterior são feitos por US$ 50 para cada 5 minutos. Quem decide quais ligações devem ser completadas ou não são os "macoutes".
Torcida
No porto da cidade permanece de plantão um grupo que varia entre 5 mil e 10 mil haitianos. Todos querem ver o desembarque das tropas dos EUA. "Vieram libertar meu país. Eu espero que acabem com a fome", disse Jeronimo Petit, 38, encanador desempregado convertido em guia de jornalistas.
À noite, a situação se torna tenebrosa. Depois das 20h as pessoas se recolhem e dois aviões Galaxy com pára-quedistas americanos comçam a cruzar os céus em busca de supostos focos de resistência. Todos os dias, exatamente às 5h, helicópteros Cobra, Apache e Blackhawk, munidos de foguetes começam a patrulhar os céus.
O comércio está fechado desde a invasão e o porto é a atração mais disputada da cidade. Pode-se ver, ao pôr-do-sol, barcos de pescadores dando voltas em torno do porta-aviões Eisenhower, com seus 2.000 soldados e 50 helicópteros. A seu lado está outro porta-aviões, o América, com 60 helicópteros.
Trafegam pela costa haitiana os navios de comando Mount Withney, Nashville e o navio anfíbio Wasp. Pode-se divisar também de qualquer ponto da cidade as fragatas Sitch, Oliver Perry e Clifton Sprague. Outros 13 navios de reserva esperam invadir. Estão estacionados em Miami e na Virgínia.
Anteontem, grupos de haitianos começaram a sair de suas casas por volta das 23h, quando uma tempestade começou a se formar. Pensou-se que os trovões eram tiros dos navios norte-americanos.
A última estimativa do comando dos EUA é de que pelo menos 50 mil pessoas tenham se retirado de Porto Príncipe no domingo, prevendo que a invasão fosse sangrenta. Agora, sem combustível, essas pessoas estão tendo que pagar cada uma a soma de US$ 100 para voltar –um terço da renda per capita do país.
(CJT)

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