São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
Próximo Texto | Índice

Desconstitucionalizar

O debate sobre a necessidade de mudanças na Constituição para que o país tenha alguma chance de estabilização duradoura ganhou uma oportuna contribuição com a proposta apresentada pelo assessor especial do Ministério da Fazenda, Edmar Bacha, de "desconstitucionalizar" parte da Carta da 88.
Independentemente dos pontos específicos que a proposta aborda, a tese geral de retirar determinados temas da Constituição, deixando seu tratamento a cargo da legislação complementar ou ordinária, sem dúvida merece consideração detida. O texto promulgado em 88, ninguém ignora, incorporou diversas matérias que não são de natureza propriamente constitucional. Especialistas consideram que o documento, de 245 artigos, poderia ser reduzido até à metade.
Note-se que a constitucionalização excessiva e imprópria praticada pelos legisladores de 88, longe de ser inócua, produz efeitos concretos e, em determinados casos, prejudiciais para o país.
A Lei Maior possui exigências mais rigorosas para sua alteração, rigidez que se destina a oferecer à sociedade uma desejável garantia de segurança e de estabilidade. Contudo, no caso daqueles diversos temas incluídos de modo indevido na Carta, a rigidez se transforma em engessamento e muito dificulta mudanças necessárias.
Mesmo que a fronteira do que deveria ser incluído numa Constituição não seja inequívoca, há diversos casos que escapam da zona cinzenta. Ao contrário, por exemplo, das minúcias a que desce o capítulo do sistema tributário –que poderiam ser tratadas em esfera infraconstitucional–, os princípios gerais contidos no mesmo capítulo exigem a máxima estabilidade e rigidez, pois limitam o poder de tributar do Estado, protegendo o cidadão contra abusos e arbítrios. Desnecessário acrescentar, o mesmo ocorre com outros pontos, como direitos e garantias individuais.
Mas ao tornar quase inflexíveis regras que não deveriam sê-lo, a volúpia constitucionalista do Congresso de 88 não ofereceu maior proteção à sociedade. Apenas atravancou o processo histórico normal pelo qual uma nação reavalia e modifica suas leis de acordo com a dinâmica das transformações sociais, econômicas e culturais.
É portanto bastante apropriado que a questão da desconstitucionalização seja incluída no debate felizmente crescente sobre a indispensável reforma da Constituição.

Próximo Texto: Efeito confusão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.