São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A identidade feminina na indecisão do voto

GUSTAVO VENTURI
DIRETOR DE OPERAÇÕES DO DATAFOLHA

A taxa de eleitores que não decidiram seu voto para presidente da República tem permanecido constante ao longo dos últimos quatro meses. Nos 12 levantamentos nacionais que o Datafolha fez desde as convenções partidárias –que no final de maio definiram o atual quadro de candidatos–, até meados de setembro, a taxa de eleitores indecisos tem flutuado, dentro da margem de erro, em torno de 10%.
Isto não significa, desde logo, que os eleitores que compõem esse contingente (correspondente a cerca de 9,5 milhões) tenham sido os mesmos ao longo desse período. A entrada do Real em circulação, o início do horário eleitoral, os episódios que envolveram vices e ministros, entre outros, provocaram migrações de intenções de voto não só entre os candidatos, mas certamente também levaram eleitores indecisos a se definir e vice-versa.
Há, no entanto, um perfil recorrente entre os indecisos, de resto também observável em eleições passadas: a indefinição cresce do Sudeste para o Nordeste, das regiões metropolitanas para o interior, ou conforme diminuem a escolaridade e a renda familiar, conforme aumenta a idade, e é maior entre as mulheres.
À primeira vista, essa distribuição dos indecisos se explica pelas diferenças de grau de escolarização entre os segmentos do eleitorado, fator que atua não só como facilitador da compreensão das informações, mas mesmo antes, como motivador de interesse pela política, enquanto instrumento de luta pela cidadania.
E de fato, proporcionalmente, há mais eleitores que não passaram do primeiro grau no Nordeste do que no Sudeste, mais nos pequenos municípios do que nos grandes, e ainda entre os eleitores mais velhos, entre os de baixa renda, etc. Mas o mesmo já não ocorre entre homens e mulheres, pois apresentam distribuição semelhante por escolaridade. Como explicar então que para cada eleitor indeciso há duas eleitoras indecisas?
Conforme pesquisa do Datafolha publicada domingo último, estão indecisas 14% das mulheres e 7% dos homens –proporção que se mantém quando controlamos a escolaridade: 17% e 9%, respectivamente, das eleitoras e eleitores com até o primeiro grau; 7% e 3% com segundo grau, 5% e 2% dos que chegaram a um curso superior. Seja qual for a segmentação do eleitorado –região geográfica, tamanho da cidade, renda familiar, idade, etc.– em cada grupo a taxa de indecisas é sempre cerca do dobro da de indecisos.
Será porque há mais homens que trabalham fora de casa do que mulheres e a inserção no mundo do trabalho os torna mais integrados a essa outra face da vida pública que é a política? Também não, visto que novamente entre as mulheres que trabalham a taxa de indecisão é o dobro da dos homens que também trabalham, ocorrendo o mesmo entre eleitoras e eleitores que não trabalham.
Conclui-se que o mero acesso da população feminina à escolarização e ao mercado de trabalho não são suficientes para superar essa diferença marcante de nossas identidades de gênero, socialmente construídas, que faz as mulheres menos integradas à vida pública –ao menos à política que aí está.

A coluna MARGEM DE ERRO é publicada às sextas-feiras

Texto Anterior: Eleitor de Lula é mais jovem
Próximo Texto: Tribunal convoca Vicentinho
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.