São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 1994
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Caos planejado

GERALDO ATALIBA

A carga tributária no Brasil é muito inferior à dos países desenvolvidos para as classes A e B e muito mais pesada para as classes C e D. Nossa legislação precisa ser revista para reequilibrar o sistema. Atribui-se essa grave distorção à Constituição. Supõe-se que alterando a Constituição resolve-se esse problema.
É engano; na verdade nossas graves distorções situam-se no plano da legislação e, em menor escala, na jurisprudência "fiscalista" que se foi formando nos últimos 30 anos.
Quem quer ver na Constituição a sede de nossos problemas, ou não meditou ou está escondendo outros desígnios (quer modificá-la por outras razões, que não podem ser expostas à luz do sol). É que a Constituição é "aberta" e quase neutra, não induzindo nenhuma distorção.
Os defeitos da nossa legislação –e seus efeitos ruinosos sobre o emprego, as exportações, o investimento produtivo e a desigualdade redistributiva– são velhos e vem agravando-se com o tempo. Diz agudamente o professor Delfim Netto que não há "problema econômico".
O problema básico de qualquer sociedade é a "repartição do bolo", que é questão política. Resolve-se segundo a força de cada círculo, grupo, corrente, camada ou segmento, cujo conjunto de pressões eficazes determina as soluções econômicas.
Aí sedia-se o desafio brasileiro do momento, Impõe-se rever a legislação tributária, podando-lhe os excessos, redirecionando-a, corrigindo-lhe os defeitos e voltando-a para o estímulo ao emprego, ao investimento produtivo, à facilitação às exportações e à compensação das desigualdades sociais e regionais. Nisso há de consistir a "reforma tributária".
A falta de compreensão disso leva a graves erros de diagnóstico e trágicas prescrições terapêuticas. Dois exemplos atuais ilustram isso: a má colocação das críticas à tributação das exportações e a proposta (veiculada pelo economista Edmar Bacha) de desconstitucionalizar o sistema tributário.
Para agilizar-se as exportações (criando empregos e desenvolvendo nossa indústria) não é necessário alterar a Constituição nem esperar o novo governo.
Os políticos, no governo ou fora dele, perdem-se em devaneios retóricos, quando podiam ouvir o dr. Osiris –que deu demonstração concreta de eficácia– e perceber que a União, por decreto, ou lei ordinária, ou iniciativa de lei complementar pode mudar radicalmente o quadro da legislação tributária e reduzir, reorientar e modular diferentemente os impostos, criando estímulos aos investimentos, animação das exportações e incentivo à criação de empregos, no campo dos impostos sobre operações financeiras, sobre produtos industrializados, sobre a renda, pode (e deve) simplificar e reduzir substancialmente as contribuições que se refletem no emprego e no custo dos produtos exportados.
E, obtendo alterações na legislação complementar a União, pode inverter os efeitos do ICMS, fazendo-o, em vez de entrave, estímulo às exportações. Basta ler a Constituição para ver que isso é facilmente realizável, dependendo só de vontade esclarecida e boa assessoria jurídica.
No clima de preconceito, paixão, superficialidade e açodamento que estamos vivendo, preocupa muito ver a declaração do economista Bacha que propõe desconstitucionalizar o sistema tributário.
Não fosse sua posição oficial nos quadros do governo, a idéia poderia ser desconsiderada, por parecer fruto de sonhos imberbes de jovens universitários, que se deleitam inventando fórmulas simples e salvadoras. Vê-se que o convívio do dr. Bacha com o dr. Osiris não foi proveitoso. Dele não ficou nenhuma lição para o economista.
Este não sabe –mas, pelas responsabilidades da função que exerce, devia saber– que boa parte do "sistema tributário" da Constituição, principalmente o art. 150, é imodificável. Nem emenda pode reduzir os direitos individuais aí postos. O que, juridicamente, é lícito às emendas fazer é modificar a repartição de competências.
Para a União fortalecer-se, precisará reduzir as receitas dos Estados e municípios. O "bolo" é um só e não há milagre. Se aumenta um, reduz o outro.
Ora, isso, politicamente será difícil. Os governadores eleitos terão força suficiente para resistir eficazmente a isso. Resta a fórmula de tirar receitas dos municípios em favor da União.
E agravaremos a dependência dos prefeitos, de "chapéu na mão", reforçando o casuísmo, o clientelismo e a corrupção, que permitiram que os parlamentares despachantes participassem das verbas de escolas, hospitais etc. É essa a proposta?

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