São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Justiça a meio-quilo

Carlos Heitor Cony

CARLOS HEITOR CONY
RIO DE JANEIRO

Em novembro passado, quando FHC era ministro da Fazenda e candidato potencial à Presidência da República, foi levantado o caso que envolvia uma fazenda não sei onde. Problema de escritura com preços rebaixados para aliviar a carga fiscal, alguma coisa assim, fato irrelevante no meu entender.
À época, uma autoridade do governo condicionou a gravidade da denúncia à repercussão que a mesma teria na mídia. Seguinte: se eu estuprar freiras e degolar criancinhas, mas a mídia minimizar ou abafar, serei um cidadão impoluto, um quadro moral da nação. Se atropelar um rato que cruzou a frente do meu carro e a mídia achar que sou portador de maus bofes, logo aparecerá uma testemunha idônea para revelar que todos os dias, no almoço e no jantar, como carne humana com sangue de animais.
O caso de tal fazenda não era muito diferente daquele que afastou o senador Bisol da chapa de Lula. São coisas que o poeta definiu como "tão brasil!". O mesmo pode ser dito sobre o escândalo na gráfica do Senado, onde todos, uns mais, outros menos, fizeram a mesmíssima coisa. Inclusive as vestais que representam o neo-udenismo no PSDB, sem exceção do próprio FHC, que informou suas atividades parlamentares a seus eleitores, o contribuinte pagando a conta.
O fato irrelevante do dia é a contribuição de PC Farias ao PFL de Pernambuco, fatia partidária que trouxe o sr. Marco Maciel ao Senado e à liderança de Collor na chamada câmara alta. Insisto no irrelevante porque há precedente mais sério: o próprio presidente Itamar Franco também foi beneficiário "ad hor" da mesma caixinha que elegeu Collor.
PC Farias está preso por sonegação fiscal, não por corrupção. Nominalmente, Collor foi afastado da Presidência por corrupção, mas a verdadeira razão do impedimento foi que, a partir de certo momento, contrariou interesses dos grupos que o apoiaram na campanha e o sustinham no poder.
Itamar assumiu o governo e foi combinado que não se devia fazer marola. O melado que lambuzou a campanha de Collor direta ou indiretamente lambuzou Itamar –toda a nação sabe disso, a classe política em primeiríssimo lugar.
Donde se pode concluir que no Brasil os presidentes são depostos porque contrariam apetites e não por seus defeitos. Vargas, Jânio, Jango e Collor são exemplos. E bastam.

Texto Anterior: Delenda IPMF
Próximo Texto: CARDÁPIO; ALFINETADA; EUTANÁSIA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.