São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 1994
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Eleições

JOSÉ SARNEY

Há uma velha história que corre entre os políticos. Um deles caminhava entre velhos túmulos de um cemitério. Num, a tradicional inscrição: "aqui repousa em paz". Não teve dúvida. Pegou um pincel e escreveu: "porque jamais concorreu a uma eleição". A verdade é que nem depois de mortos os políticos repousam em paz.
Estamos assistindo à segunda grande eleição depois de o país ser totalmente redemocratizado. A disputa caminha num ritmo de normalidade, com lutas maiores ou menores, mas em clima de tranquilidade, segurança e confiança nas instituições. Não paira qualquer sombra sobre a democracia e apenas sofremos dos males de um processo eleitoral arcaico, com reminiscências do século 19, e de uma legislação transitória que veio mais para levantar conflitos e causar confusões do que realmente para simplificar e purificar as eleições.
A primeira tarefa que deve ter o futuro presidente da República será certamente a de assumir a liderança política do país e reformar a Constituição, retirando dela a ambiguidade que torna o país ingovernável, para fazer com que o Congresso legisle, fiscalize e acompanhe a administração, e o Executivo possa governar. Por outro lado, uma coisa que se impõe, independentemente das eleições e logo, é a reforma eleitoral. Não é possível mais essa confusão que faz do dia das eleições uma bagunça e das apurações outra terrível via crucis. É necessário modernizar. Um país que tem cartão eletrônico para tudo não pode ficar nesse papelório que dificulta as coisas.
Outro dia, tratando desse assunto com um juiz, ele me respondeu muito bem e eu fiquei calado: "Mas foram vocês do Congresso que votaram essa lei e que não modificam o sistema eleitoral. Nossa função é tentar cumprir o que ela determina".
Realmente, é assim. É preciso ter um Código Eleitoral, lei permanente, que funcione para todas as eleições, e não uma lei para cada eleição. É preciso acabar com o voto proporcional, responsável em grande parte pelo atraso político brasileiro e pela corrupção. É preciso o país contar com partidos políticos que funcionem em caráter permanente e não com cartórios de registro de candidatos. Como é lastimável, para o país, ver os partidos pequenos e alguns candidatos na televisão, cumprindo uma vaidade pessoal e se aproveitando de um espaço na mídia que os cidadãos estão pagando. Isto esvazia, também, o verdadeiro debate e a verdadeira opção.
Quando a gente lê sobre eleições na Antiguidade e vê as eleições brasileiras, pensa que o mundo não mudou nada. Desde Agripa, no apólogo do estômago e do braço, passando por Montesquieu, quando diz, citando Cícero, que a "anarquia era tal que por fim não se sabia se realmente se votava". Há 2.000 anos!... E agora? Nomeiam-se num mês milhões de mesários, apuradores, fiscais, delegados etc. Não há tempo para treinamento, para organização maior, para ordem, e os TREs e o TSE se entulham de consultas, resoluções, agravos, recursos, denúncias etc.
Mas Deus é, de fato, brasileiro, porque, mesmo com essa legislação, com esse sistema, conseguimos fazer funcionar a nossa jovem democracia, graças ao povo brasileiro e ao seu espírito de compreensão, que releva tantas deficiências e ainda aguenta um programa eleitoral proporcional...

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