São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 1994
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A utopia da 202 Norte

CLÓVIS ROSSI

BRASÍLIA – Vista da superquadra Norte 202 de Brasília, a sucessão presidencial não é apenas a troca de um presidente por outro, mas o início de uma revolução. Na 202 Norte, funciona o quartel-general da campanha de Fernando Henrique Cardoso, obviamente o homem que encabeçará a suposta revolução.
"Vamos retomar um pouco a utopia que a nossa geração teve", chega a dizer Sérgio Motta, na sua tripla condição de secretário-geral do PSDB, principal coordenador da campanha e o mais próximo dos amigos do candidato.
Se é assim mesmo, bota utopia nisso. Motta foi da AP (Ação Popular), grupo de esquerda que desaguou em parte na luta armada durante o ciclo militar e, como todo grupo de esquerda, perseguiu ideais fincados na melhor tradição humanista do socialismo.
Soa estranho falar de utopia e socialismo em uma coligação de que faz parte o PFL, talvez a mais clássica representação política do "status quo". Mas, a se acreditar em Sérgio Motta e demais comandantes tucanos, o PFL é apenas uma placa na parede da 202 Norte que indica as salas reservadas para Marco Maciel, Jorge Bornhausen e cia.
O tamanho do sonho mede-se igualmente pela troca de meta intelectual por parte de FHC. Antes de se candidatar à Presidência, pretendia escrever um livro sobre a transição brasileira. Nada de muito emocionante, tantos já são os volumes a respeito. Agora, o projeto é, em 1998, escrever a própria biografia, incluindo o novo projeto para o Brasil que, até lá, já terá sido ao menos parcialmente implantado pelo autobiografado.
Não longe da 202 Norte, no prédio do Ministério da Fazenda, Ciro Gomes, o ministro, também exala incontrolável otimismo por todos os poros. Chega a dizer que o Brasil tem todas as condições de repetir o crescimento dos anos 70, os anos do "milagre econômico", mas sem os inconvenientes do período (ditadura e concentração extrema da renda).
O Brasil vai ter os próximos quatro anos para conferir se se construirá uma utopia ou virá apenas "más de lo mismo", como dizem os argentinos.

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