São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 1994
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Uma saída será exportar gente

EMERSON KAPAZ

Diante da determinação do governo de prosseguir reduzindo alíquotas de importação, cabe uma indagação inicial. O que o Brasil, afinal, pretende? Queimar divisas para pagar momentaneamente mais barato por televisores, automóveis, ventiladores, brinquedos e videocassetes? Ou aumentar a competitividade dos nossos produtos, conquistando fatias maiores no mercado mundial e com isso elevando o nível de emprego interno?
Foi precisamente com o objetivo de propiciar uma inserção competitiva dos produtos brasileiros no mercado internacional que se firmaram compromissos nas câmaras setoriais.
Em troca de uma redução gradual das alíquotas de importação, diversos setores se comprometeram com metas de aumento da produção, elevação do nível de emprego, incremento da qualidade/produtividade e redução dos preços.
Ao estabelecer reduções abruptas das alíquotas de importação, o governo rompeu tais acordos. Argumentou que tal redução, já prevista para valer a partir de janeiro no Mercosul, teria sido antecipada apenas em alguns meses. Não é verdade. Alguns setores já haviam negociado, inclusive no âmbito do Mercosul, acordos que asseguram, por exemplo, uma alíquota constante até o ano 2000.
Nesse contexto, falar em zerar a alíquota desses produtos a pretexto de elevar sua oferta no mercado interno via aumento da importação é simplesmente condenar setores industriais inteiros ao sucateamento. A razão é simples.
Frente a essa competição, e pagando uma das cargas tributárias mais altas do mundo, tais setores serão forçados a diminuir a produção. Faturando substancialmente menos, precisarão interromper os investimentos em tecnologia. Perderão rapidamente a possibilidade de competir com os importados.
Em muitos casos, é mais fácil para uma indústria aumentar a importação dos produtos acabados do que elevar a própria competitividade. Um exemplo disto são as montadoras, que hoje detêm o primeiro lugar no "ranking" das importações de automóveis.
Este exemplo nos leva ao que ocorre no coração do Primeiro Mundo. O maior problema das economias dos países desenvolvidos hoje chama-se desemprego estrutural. Ou seja, quanto mais se modernizam, quanto mais conseguem robotizar a produção, países como Estados Unidos, Japão, França e Alemanha geram legiões crescentes de desempregados.
Com essa preocupação, quanto mais importarmos, mais necessitaremos gerar empregos, sob pena de em pouco tempo não termos mais consumidor para tanto produto. Sendo a geração de emprego condição absolutamente indispensável para propiciar o desenvolvimento e a inserção competitiva do país no mercado internacional, estamos diante de duas opções.
A primeira escolha é por uma política de competição, prosseguindo-se a redução abrupta das alíquotas do Imposto de Importação. A médio prazo, o resultado será uma forte desindustrialização na maioria dos setores afetados, o que naturalmente implicará crescimento do desemprego.
Nesse caso, a saída será exportar gente. É isso mesmo, exportar brasileiros para que tenham alguma chance de se empregarem nas fábricas mundiais de automóveis, televisores, brinquedos, ventiladores etc., situadas nos países do Primeiro Mundo ou nos Tigres Asiáticos.
Claro que essa exportação terá de ser clandestina, uma vez que esses países, afetados pelo desemprego estrutural, há muito já fecharam suas portas ao ingresso desse valioso tipo de mercadoria.
A segunda alternativa é reforçar a redução inteligente e negociada de alíquotas de importação nas câmaras setoriais. Muitos setores têm hoje potencial de firmar nas câmaras acordos desse tipo, uma vez que existe uma grande convergência de interesses entre a indústria nacional, que vislumbra a possibilidade de faturar em escala mundial, os trabalhadores, que terão maior oferta de emprego, e o governo, que elevará sua arrecadação.
Cabe lembrar que nenhum país do Primeiro Mundo ou dos Tigres Asiáticos reduz suas alíquotas de importação sem uma clara e vantajosa contrapartida negociada previamente. Se os Estados Unidos reduzem uma alíquota para o ingresso de produtos japoneses, é porque obtiveram antes a garantia de crédito barato e fornecimento de tecnologia avançada por parte do Japão.
Custa acreditar que o Brasil, de mão beijada e sem exigir nenhuma contrapartida desse tipo, está reduzindo as alíquotas de importação de milhares de produtos e se prepara para continuar diminuindo esse imposto para outros tantos.
É hora de bom senso, para que o próximo governo tenha o prazer de negociar a redução de alíquotas em troca de crédito e tecnologia, e não o desgaste de voltar a elevar alíquotas com as inevitáveis retaliações que certamente se seguirão.

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