São Paulo, sexta-feira, 30 de setembro de 1994
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Para dar e vender

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – O exemplo do México é prova explícita de que uma classe (corrupta numa ponta, corrompida na outra) pode permanecer no poder cumprindo à risca a liturgia democrática.
As eleições mexicanas deste ano revelam que alguma coisa está escapando ao policiamento eleitoral. Por ora, dificilmente ficaremos sabendo o que aconteceu e o que acontecerá.
Dois cadáveres testemunham tragicamente que a manipulação da democracia começa a ter um preço. O Brasil, com sua extraordinária capacidade de copiar maus exemplos, venham de onde vierem, tem uma classe no poder há 30 anos, os últimos 10 em vigência do regime democrático.
O sistema conseguiu afastar os militares do núcleo da decisão –estavam desgastados e foram promovidos a bode expiatório. Mas tudo continuou como antes: absurda concentração de renda, corrupção e inflação.
Lula não teve razão quando contestou a legitimidade das eleições de agora. Legítimas elas parecem ser: estão sendo cumpridos os requitos formais do processo democrático. Mas o candidato do governo –inspirada escolha do sistema– foi fabricado (e até certo ponto fabricou-se) num laboratório perverso.
Ainda em tempo de URV, lia-se em todos os jornais que o Plano Real teria sua maior eficácia justo na última semana de setembro. A partir de outubro dependeria de substanciais reformas marcadas para depois das eleições. O ministro da Fazenda, Ciro Gomes, está prevendo o aumento da inflação para já.
A classe empresarial, que teve três meses para alinhar os preços, submeteu-se estrategicamente ao provisório congelamento. No dia 4 de outubro começarão novos alinhamentos –somente os salários não serão alinhados.
Vi na TV o presidente da República declarar que a inflação acabou e que vivemos em plena democracia. São verdades à mexicana.
Não tenho certeza, mas acho que o México não produz bananas em escala exagerada. Talvez não seja uma república de banana –outro erro que Lula cometeu recentemente. Não estou a par de nossa pauta de exportações, mas a marchinha de Carnaval dos anos 30 garantia que tínhamos banana "para dar e vender".

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