São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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Camarão à Paulista

RICARDO SEMLER

Ufa. Todo final de ano tem cara de ufa. Este ano foi do Itamar. Dizem que o homem é sortudo mesmo. Há os que acreditam que a influência dele no rumo das coisas foi idêntica à sua interferência no tetra. Mas é sacanagem reduzi-lo a isto.
Gozaram bastante quando ele assumiu e eu fiz profissão de fé no efeito mineirinho. Sempre achei que o Brasil precisava de uma transição suave, de um estilo low-profile e de um endereçamento genérico na direção do sério-leve.
Tiram sarro do fusquinha, mas o Itamar foi o melhor Diretor de Planejamento Estratégico que as montadoras já tiveram. A Fiat cresceu horrores por conta, a Ford investe no pequeno Fiesta, o Corsa vai longe e até a Autolatina, tentativa desastrada de criar um truste, vai à lona.
Foi preciso um cliente preferencial da Ducal para demonstrar aos engomados de Giorgio Armani que no Brasil o que vende é o popular. Os saudosos da bandalheira, que são muitos, ainda vêem no Fernandinho de Aspen a verdadeira visão de estadista, e sonham com a sua volta.
Aliás, volta na hora que quiser e ainda esnoba os tais dos éticos se elegendo, junto com Maluf e Quércia, deputado federal pelo Estado de São Paulo.
Falando nisso, chegou a hora de São Paulo. Os empresários esfregam as mãos em antecipação à República Paulista. Nem café com leite teria alternado com Juiz de Fora tão bem. Lambem-se os beiços. Em vão.
Primeiro, porque São Paulo é basicamente um fracasso. Tem mais favelas do que o Rio, cresceu um terço o número de seus homicídios no último ano, é festival de motins de presídios, um Estado quebrado e tradicional eleitor de ladrões para seus líderes. Tem o trânsito do Cairo, poluição quase mexicana, esgoto aberto posando de rio Sena, e mais desvio de verba do que o Nordeste somado. A indústria foge e a Fiesp definha.
O paulistano, cheio de ares subdesenvolvidos em seus Jardins que arrotam sonhos cucarachas do figurino Miami–Cancún–Saks, escolhe mal até seus vereadores. Foi assim que se venderam nesta semana por cargos e favorezinhos, abrindo caminho para que o prefeito quebre a cidade da mesmíssima maneira que Quércia e Fleury faliram o Estado, via obras. Não é só o IPTU que aumentou seu valor venal.
Mas o Brasil está bem encaminhado e andará bem. Não vamos fazer de conta, porém, que isto tenha algo a ver com paulistas. Sejamos francos. Com exceção de alguns Estados ainda dominados por coronéis atrasados em fim de carreira, como a Bahia ou o Amazonas, o país escalou um time diversificado e de razoável competência.
Anos bons deverão vir, não na toada da sandice que a TV e a mídia andam prometendo em sua bajulação incontida do presidente eleito, mas virão. Receios de pefelização das verbas, má influência da ala da coligada turma da ditadura, tudo isto será secundário.
Aliás, Fernando Henrique é esperto o suficiente para arranjar uns pirulitos para esse pessoal se lambuzar. E lambuzar-se-ão. Prova é o ministério, balanceado e claramente respeitador da orientação do novo presidente, o mais preparado e inteligente que já tivemos.
Começa a raiar um ano novo, com ar de novo. Para os coitados que têm de comparecer à posse para mostrar fidelidade ou cavar influência, os pêsames da casa. Para os que se esticam em direção a uma caipirinha, votos de um ano mais descontraído. E para os que acham que está por raiar uma era paulista, a advertência de que a falta de protetor solar e moral deixa a pele vermelhinha, conhecida em Brasília por camarão à paulista. Dá-lhe 95!

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