São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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Crianças reaprendem o português no Japão

ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL AO JAPÃO

Os brasileiros descendentes de japoneses, que deixaram o país com suas famílias para trabalhar no Japão, estão enfrentando um problema novo: ensinar o português para as crianças que desaprenderam a língua e não conseguem se comunicar com os pais.
Cerca de 170 mil brasileiros vivem no Japão. Eles formam o principal contingente da mão-de-obra de descendentes nascidos no exterior e que lá são conhecidos como dekasseguis.
A grande maioria é de adultos que foram sozinhos fazer o trabalho pesado que a rica sociedade japonesa já se recusa a realizar, em troca de um salário muito alto para os padrões brasileiros: em média, US$ 2 mil por mês.
Em Hamamatsu, uma cidade industrial a 170 km ao sul de Tóquio, vivem 20 mil brasileiros. Eles representam 4% da população da cidade e criaram uma estrutura própria de organização.
Todos os domingos, 40 crianças, com idades de 6 a 11 anos, passam as tardes reaprendendo o português em duas salas de aula improvisadas em um prédio comercial no centro da cidade.
O curso é gratuito e foi criado pelo paulista João Toshiei Masuko. Há seis anos, ele foi para o Japão trabalhar como operário em uma fábrica de autopeças e hoje é o dekassegui mais bem-sucedido de Hamamatsu.
As aulas são dadas pela professora Célia Nakamura, que se aposentou há dois anos no Rio de Janeiro e foi se juntar aos parentes.
Ela conta que as crianças esqueceram o português porque os pais passam o dia todo no trabalho, enquanto elas ficam nas escolas japonesas.
"Há casos dramáticos de pais que não conseguem se comunicar com os filhos porque eles não aprenderam o japonês e elas não conseguem se expressar em português", diz Célia.
Com patrocínio de seis empresas, foi editada uma cartilha –"Primeiros Passos ma Língua Portuguesa"– para que as crianças possam ser alfabetizadas em sua língua de origem.
João Masuko, que tem quatro filhos em São Paulo, diz que as crianças que desaprenderam o português são de famílias que vivem isoladas dos demais brasileiros.
As famílias vão do Brasil direto para os alojamentos designados pelas firmas de contratação de mão-de-obra dekassegui e, na obsessão de juntar poupança, os adultos fazem horas extras diárias no trabalho, enquanto as crianças ficam sob influência da TV e das escolas.
Como no Japão as ruas não têm nome, nem os prédios são numerados, a dificuldade de locomoção aumenta o isolamento das pessoas.
"Hoje sabemos de casos de famílias que chegaram a comer ração para cachorro, porque não sabiam identificar os produtos nos supermercados, nem tinham como se comunicar com os vendedores", diz Masuko.

A repórter Elvira Lobato viajou ao Japão a convite da NEC do Brasil.

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