São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Males de 94 inspirarão reformas de 95

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Pode parecer inacreditável, mas o ano de 1994 mostrou que a medida provisória é pior que o decreto-lei. Menos prática, pois seria eficaz num país cujos deputados e senadores pudessem cumprir, com presteza e qualidade, a difícil missão de legislar. Não é o caso do Brasil, como se evidenciou nos seis anos de vigência da Carta de 88.
A medida provisória tem sido repetida pelo Executivo (veja-se a do real), com desrespeito à relevância e urgência que a justificam e com ofensa ao princípio de que a função legislativa cabe ao Congresso, muito embora o Congresso não o tenha defendido.
Há, porém, um elemento de psicologia política nada desprezível em relação ao decreto-lei. Quem tenha vivido os anos de ditadura, sabe que o decreto-lei foi utilizado para impor a vontade do poder (nem sequer podia ser emendado), dando amparo aos casuísmos compatíveis com os desígnios de dominação do povo, completando dezenas de emendas constitucionais destinadas ao mesmo fim.
O modelo italiano –no qual nosso decreto-lei foi baseado– ainda pode oferecer alguma inspiração. A Carta de 1969 impunha prazos rigorosos ao Congresso, o que há de ser corrigido, antes de ser mesclado com as boas intenções que nortearam a medida provisória. Aceita a alternativa, proponho a criação do decreto executivo, com vigência provisória de 90 dias, de livre apreciação congressual, inclusive quanto a emendas, o qual passará a vigorar definitivamente, na forma original, se o Congresso não o votar dentro daquele prazo.
Para a máquina judiciária o final do ano trouxe importantes modificações, com as leis 8.950 e 8.953, que alteraram o Código de Processo Civil. Elas coroaram trabalho realizado sob a direção do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em comissão da qual tive a honra de participar ao lado de ilustres figuras do direito brasileiro. Consistiu num esforço simplificador do processo, visando a desburocratizá-lo. Aguardemos, para 95, o resultado prático desse trabalho.
1995 retomará, no começo, o debate sobre a revisão constitucional, em que o ministro da Justiça, Nelson Jobim, representará papel decisivo. A contar da posição do Brasil no plano externo, a revisão tratará de facilitar nosso relacionamento internacional. Nesse campo o deputado André Franco Montoro terá participação relevantíssima. Foi ele o criador do parágrafo único do art. 4º da Constituição atual, que afirma a vocação latino-americana do Brasil. Seu Instituto Latinoamericano (ILAM) desenvolveu longa atividade nos últimos anos, objetivando criar suporte constitucional e legislativo para dinamizar o relacionamento com os países vizinhos e com os demais da América Latina. Montoro é um entusiasta da relação latinoamericana e estará em justa evidência, nas iniciativas desse campo.
No plano interno, a revisão estará voltada, entre outros fins, para o reequilíbrio das fontes de renda da União, compatibilizando-as com suas despesas, o que não deverá, porém, ser desculpa para que o país retome a centralização governamental que preponderou desde os anos 30. A descentralização estadualizadora e municipalizadora mostrou bons efeitos, ao mesmo tempo em que a máquina federal exibiu seus males, sem disfarce.
O ano começa, porém, com otimismo. Será bom que os impulsos de revisão se espraiem para além das leis. Que cada poder revalie seus defeitos, de modo a corrigí-los, o que é especialmente importante, numa coluna de letras jurídicas, para o Judiciário.

Texto Anterior: Laranjeiras vira casa de FHC no Rio
Próximo Texto: OS MELHORES ANOS DE NOSSAS VIDAS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.