São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O velho lobo da imprensa tinha razão

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Há muitos anos, quando pisei pela primeira vez esta redação, conheci um velho e adorável, em usa profunda irreverência, jornalista chamado Aristides Lobo. Era uma lenda viva para os jovens jornalistas daquela época, o limiar dos anos 60.
Filho ou neto, já nem sei mais, do famoso tribuno, já beirava à época os 70 anos. Alto, magro, calva inteiramente raspada, sempre de terno preto, camisa branca e gravata escura, não falava, trovejava. Cultivava as palavras com esmero e paixão.
Os antigos contavam que, jovem, havia sido o maior de todos os secretários de redação, como eram chamados então os editores-chefes de hoje. Socialista, anarquista, na juventude, flertava com o espiritismo no outono da vida. Mas seu maior atributo era poder indignar-se ainda com o cotidiano de seu ofício.
Certa tarde morna e sonolenta, ainda mais com o matraquear distante das máquinas de escrever, que atuavam como um toque hipnótico para mim, a redação toda despertou ao trovejar do velho Aristides. Dedo longo e descarnado em riste, levantou-se de sua mesa e disparou em direção a um atônito Tavares de Miranda, José, o repórter, doce colunista social, no auge de sua celebridade: "Vou-lhe bater na bunda, seu moleque!" Nunca soube a razão do destempero, nem devia ser nada importante. Era apenas a ira do velho Lobo, que caía em nós como uma graça, nos dois sentidos. Sobretudo, porque Tavares de Miranda era quase um seu contemporâneo. Homem feito e viajado.
Lembro-me do velho Lobo, em primeiro lugar, porque dele nunca me esqueci. Depois, porque noutra ocasião, a propósito das seculares cartas dos leitores, ele destilava seu veneno proverbial: "O nosso problema é que o leitor não lê. No máximo, tenta advinhar o que você escreveu. E fica indignado com o que você não disse e louva o que você condenou".
Logo depois, o poetinha Vinicius disse que a vida é a arte do desencontro. E, bem mais tarde, Caetano, inspirado pelos Pignataris e Campos da vida, acrescentou: é o avesso, do avesso, do avesso.
Pois foi o avesso do avesso da arte da vida que encontrei no Painel do Leitor de sexta-feira. Um leitor "indignado" com meu artigo sobre a escolha de Pelé para ministro dos Esportes. E conclui: "Pelé é exemplo de homem, de bons costumes para a juventude, correto nos seus negócios, sem estar comprometido com os partidos". Em pânico, li, reli o tal artigo. Nem uma vírgula sequer sugeria algo contrário.
Outra sentença: "Pelé é cidadão do mundo". Pergunto: quem duvida? Caymmi responde: nem eu, nem ninguém.
Muito a contragosto, sou obrigado a admitir que o velho Lobo tinha razão. Não tivesse ele a sabedoria de um velho e o instinto de um lobo.

Vítor no Corinthians? Um presente de Natal tricolor à nação alvinegra, que agradece, mas não dá o troco.

Texto Anterior: Disputa define retorno da CPI do Apito
Próximo Texto: Desequilíbrio marca a preparação para estaduais
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.