São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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Serra Puche apostou no mercado e caiu

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nas últimas semanas colocamos em discussão a idéia de âncora cambial e de mercados emergentes, sugerindo, contra a corrente, que a euforia com os casos que se vendia como sucesso exige cautela redobrada. O terremoto mexicano confirmou os piores temores.
A atuação das autoridades econômicas é um aspecto menos comentado da crise mexicana. Mas talvez seja um dos mais dramáticos. Afinal, apenas alguns dias antes da maxidesvalorização, o ministro Serra Puche assegurava ao mundo que a estabilização estava assegurada.
Depois, já no início da crise, a forma de divulgar a suspensão da banda cambial vigente foi desastrada. E, diante do descontrole, veio o silêncio. Nos mercados, a falta de diretrizes do governo foi como lenha na fogueira. Finalmente, na última quinta-feira, Serra Puche caiu.
A justificativa oficial para a ausência de diretrizes (tais como o desenho de uma nova política econômica) foi dada pelo próprio Serra. Para o agora ex-ministro, havia exagero nas reações especulativas. Os mercados deveriam, saberiam e logo poderiam ajustar-se.
Ocorreu, portanto, uma contradição patente entre a lógica do ministro e a lógica dos mercados. Para o ministro, os mercados teriam uma racionalidade imanente. Bastaria dar mais um tempo e viria uma espécie de "autocorreção".
Para os mercados, entretanto, o jogo era o oposto: a propagação do pânico dependia de os agentes vislumbrarem alguma racionalidade na política econômica. A racionalidade tornou-se assim uma espécie de batata quente que ninguém se julgava habilitado a segurar. O peso evaporou nesse vácuo.
É uma lição interessante, que vai além do tema estrito da "âncora cambial". Fica evidente que as regras do jogo econômico só fazem sentido quando Estado e mercados encontram um solo comum onde cada um pode pressupor, com alguma tranquilidade, a racionalidade do outro. Mas é uma pressuposição necessária e precária, como qualquer convenção.
Define-se desse modo um campo na economia que os estudiosos dos últimos anos aos poucos desbravam como a "economia das convenções". É o campo das expectativas. A racionalidade não é um dado, mas um problema.
É interessante comparar a atitude de Serra Puche com a de outros colegas latino-americanos, como Cavallo na Argentina e Gustavo Franco no Brasil. Cavallo tentou, a princípio, fingir que não era com ele. A crise se esparramava, mas nada de o ministro interromper suas férias em Isla Marguerita.
Até que a simulação ruiu diante dos mercados em polvorosa. Em vez de insistir no silêncio, Cavallo tomou um avião para Nova York, onde teve encontros com autoridades do banco central dos EUA.
No Brasil, indagado há algumas semanas sobre quais seriam, afinal, as regras do regime cambial brasileiro, o diretor do BC, Gustavo Franco, saiu-se com esta: as regras serão percebidas pelos agentes do mercado na medida em que as pratiquem.
É uma afirmação inteligente e especialmente oportuna nos momentos em que ninguém, afinal, sente-se tentado a duvidar que as regras existam. As regras econômicas muitas vezes são como as bruxas: ninguém as vê, "pero que las hay, las hay".

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